Praça em carne e osso – 3

As faces da Catedral da Sé: imponência e desamparo

(*) Ana Carolina Castro e Karina Trevizan
Fotos: Everton Amaro

A Grandiosa…
Depois dos dois lances de escadaria, chega-se ao portal decorado com esculturas monumentais. Dos pés ao topo, 111 metros. No interior, a estrutura extraordinária é mostrada por arcos e pilares assustadoramente verticais que conduzem o olhar ao alto, e os coloridos e fascinantes vitrais de mosaico deixam adentrar ao ambiente a luz do sol do meio dia. Ao entrar na Catedral da Sé, quem olhar para cima e pensar “meu Deus, como sou pequeno!” terá conseguido se envolver pelo estilo da arte gótica, reproduzido criteriosamente pela arquitetura da mais importante catedral paulistana. A Catedral da Sé, construída em pleno século XX, cumpre perfeitamente alguns dos papéis designado às catedrais góticas medievais: mostrar grandeza e atingir os sentidos.
Ponto turístico da cidade, a catedral recebe visitantes de lugares diversos. “Você se enriquece muito com as diferentes pessoas que passam por aqui”, afirma um dos padres da catedral, Fábio Fernandes, que, ordenado há apenas três meses, não esperava iniciar a trajetória de sua batina logo na maior igreja da cidade. Ele conta que, para atender ao público diferenciado, há até um padre que realiza confissões em inglês e outro em espanhol.
A procura pelas confissões é grande, mas o mesmo não acontece com as cerimônias matrimoniais. “Temos três ou quatro [casamentos] por ano. O custo é muito grande”, explica o padre Fábio. A cerimônia na Catedral da Sé tem o custo de R$ 2.500,00, incluindo apenas o espaço e a celebração. Decoração, coral ou iluminação ficam por conta dos noivos, que, se precisarem preparar a igreja na madrugada anterior ao casamento, terão de arcar também com a taxa de mais R$ 1.500,00, além da “caixinha” aos funcionários da igreja que acompanharem os preparativos.
catedral4
… e o abandono ao seu redor
Na outra função da arte gótica medieval, a de revigorar a fé, a monumental Catedral da Sé deixa a desejar. “Todo mundo que vem aqui está de passagem. Não é uma comunidade, não há uma relação de fidelidade”, queixa-se o padre Fábio. Para ele, essa falta de vínculo dos fiéis com a igreja é responsável pela instabilidade financeira da catedral. Além da escassez de recursos, o padre aponta a falta de segurança como o principal problema da catedral.
Localizada no coração do centro velho de São Paulo, bem diante do marco zero da cidade, a Catedral da Sé conta com apenas três seguranças, sendo que apenas dois são fixos. Segurança da igreja há seis anos, Luiz Henrique acha que esse número não é suficiente. “Duas pessoas pra tomar conta de uma catedral desse tamanho é pouco”, reclama Luiz. E a falta de segurança da região atemoriza também ao padre Fábio. “Eu tenho medo, mas eu tenho que encarar. Tenho chegar e sair daqui. E também não posso reclamar, tem tanta gente que passa por aqui todos os dias. Deus protege todo mundo”, conta ele.
Os incidentes não acontecem apenas dos vitrais da Catedral para fora. “Muitos vem roubar, enganar as pessoas, fazer bagunça, riscar a igreja”, lamenta o padre Fábio, que relatou alguns episódios mais graves acontecidos dentro da igreja. No entanto, são segredos que a reportagem se comprometeu a guardar a pedido do religioso, que teme que a divulgação estimule mais episódios desagradáveis.
Luiz Henrique também citou um caso de falta de segurança na Catedral, ocorrido durante a missa de celebração pelo 454º aniversário de São Paulo. “Saiu até nos jornais. Um rapaz entrou e tentou agredir o prefeito, que estava aqui”, lembra o segurança. Nesse evento, o morador de rua Benedito de Oliveira entrou na Catedral e teria começado repetir aos gritos: “São Paulo, mata eu!”. A ocorrência teria terminado com o ferimento de três pessoas, a quem o manifestante teria cortado com uma faca depois de os seguranças tentarem imobilizá-lo. “Ele [o agressor] estava meio alucinado, acho que bêbado. O procedimento é imobilizar a pessoa e entregar para as autoridades. Só isso”, esclarece Luiz Henrique. Na ocasião, Benedito foi encaminhado ao 1º Distrito Policial de São Paulo e indiciado por tentativa de homicídio. Ele já tinha passagem pela polícia.
Segundo o segurança, a entrada de moradores de rua sob efeito de alucinógenos é rotina na Catedral. Luiz Henrique chama esses indivíduos eufemisticamente de “pessoas diferentes”. “A igreja é aberta ao público. Eles podem entrar, sentar e assistir à missa normalmente”, garante ele, e completa: “Se ele não estiver bagunçando nem perturbando ninguém, eu não posso mexer com que não está fazendo nada”.
Não é à toa a presença tão constante de moradores de rua na catedral. São muitos os que circulam ou até moram na Praça da Sé, e a escadaria da igreja está sempre repleta de mendigos e exalando um forte odor de urina. “O pessoal entra, ‘pessoas diferentes’, moradores de rua”, explica Luiz Henrique. Pouco tempo depois de o segurança dizer isso, entrou pela lateral da catedral um indivíduo trançando as pernas, de aparência suja e barba comprida. Luiz Henrique chama a atenção para o mendigo e fala: “ ‘Ó’ lá… É uma rotina isso aqui”. Poucos segundos se passaram até que o morador de rua saísse, sem que tenha havido qualquer intervenção do segurança.
Entre todos os contrastes, assim é a Catedral da Sé. Grandiosa e monumental e, ao mesmo tempo, representação do abandono.

Essa reportagem encerra a série “Praça em carne e osso – Histórias da Sé, seus rostos e personagens”.

[mbs slideshow=1 align=”center”]

  • Clique e veja introdução da série.
  • Clique e veja a primeira reportagem, que conta a história Alexandre Pedrezani, evangélico pregador da praça que já passou oito anos preso no Carandiru.
  • Clique e veja a segunda reportagem da série, sobre o músico-engraxate Antonio Martins