“O bombeiro um ofício bem quisto por todos”

2 de julho: Dia do Bombeiro Brasileiro. O Capitão Herbert Meyerhof relata a rotina da corporação, e explica também a razão da admiração da população, que vê os bombeiros como referência, mas não sabe o peso da responsabilidade que pesa sobre o ser humano por trás do herói

(*) Ana Carolina Castro e Karina Trevizan
Fotos: Everton Amaro


materia2Se em qualquer sala de aula perguntarmos o que as crianças querem ser quando crescer, invariavelmente ouviremos muitas respostas coincidentes: bombeiros. O Corpo de Bombeiros é, sem dúvida, uma das mais respeitadas instituições do país, e comemora nesta quinta-feira, 2 de julho, o Dia do Bombeiro Brasileiro.
Heróis da população, os admirados integrantes do Corpo de Bombeiros representam 10% da Polícia Militar. Só no estado de São Paulo, o número aproximado de oficiais é 10 mil. E todos os dias, religiosamente às 7h30, todos os quartéis paulistas seguem o mesmo ritual de troca de serviço: formalismo militar e hasteamento da bandeira nacional.
O que os cidadãos desconhecem, porém, é a rotina desgastante dos bombeiros, além da difícil missão de carregar a responsabilidade pela vida de semelhantes. Herbert Meyerhof, Capitão Chefe da Seção de Operações, recebeu a reportagem do ucho.info no Quartel do Centro, em São Paulo, para mostrar o cotidiano do Corpo de Bombeiros. Aos 36 anos, Meyerhof exerce há 16 a profissão da qual tem muito orgulho. “Eu não sei o que eu seria se não fosse bombeiro”, conta ele.

A que de deve, na opinião do senhor, o respeito que a população tem pelo Corpo de Bombeiros?
Começa pelo fato de irmos sempre para ajudar, pra prestar auxílio a quem esteja precisando muito. Também pelo fato da nossa postura ser diferenciada no aspecto do serviço, estamos lá querendo ajudar. É gostoso ajudar, acaba sendo viciante. Muitas vezes, uma pessoa vem e oferece uma quantia em dinheiro para todos os bombeiros. A gente recusa, explica que a pessoa já paga os impostos. Isso é proibido, mas faz parte da cultura do brasileiro, querer dar uma caixinha por um serviço que já está pago.
É comum também na hora da ocorrência criar um vínculo emocional forte com a vítima. Você está lá para ajudar, está cortando uma ferragem, e desde o local da emergência até o hospital nós ficamos lá conversando com a vítima. Isso acaba criando um vínculo de confiança.

Não há uma contradição nessa grande admiração pelos bombeiros, que são militares, mas ao mesmo tempo a Polícia Militar não ter uma imagem tão respeitada pela população?
O Corpo de Bombeiros faz parte da Polícia Militar. E a conduta do bombeiro se deve muito à formação de policial militar. A integridade, o respeito vem da formação militar. Mas a diferença vem da natureza do serviço. Nós sabemos que um Estado sem polícia não existe. E a polícia tem aquele fator de ostensividade, de coibir o que é ilegal. Já o bombeiro não tem isso.

Como podemos explicar a “romantização” do ofício de bombeiro, resultado dessa grande admiração dos cidadãos?
Isso vem da necessidade de ter alguém em quem se espelhar. Pais, avós querem que suas crianças sejam pessoas decentes, e às vezes precisam de alguns exemplos. E acho que os bombeiros são mais fáceis, por estarem mais presente na vida de todos.
Meu avô, por exemplo, não queria que eu fosse bombeiro, queria que eu fosse o presidente da República, porque essa era a referência que tinha na época. Os tempos mudaram, e hoje o bombeiro é uma referência, é um ofício bem quisto por todos. Se tornou um objeto moral do Estado, uma profissão que todos admiram.

materia4E as crianças parecem compartilhar da mesma expectativa, muitas sonham em ser bombeiro. Qual é a opinião do senhor sobre isso?
A criança já se identifica com a viatura por ser um carro grande. Quando passamos na rua eles apontam e o bombeiro responde com um sorriso, acena, e a criança gosta, abre um sorriso e cria um vínculo. Acho que é uma necessidade brasileira de ter referências.


E quando o senhor tiver um filho, iria gostar se ele fosse bombeiro?

Na verdade eu gostaria que ele fosse feliz, independente da profissão. Seja bombeiro, advogado, jornalista, eu quero que ele seja feliz. Eu sou feliz sendo bombeiro.


No meio da entrevista, toca o alarme. Dois bombeiros descem pelo escorregador, enquanto um terceiro, que já estava no térreo, entra na viatura. Em poucos segundos, o carro deixa o pátio do estacionamento com a sirene devidamente ligada. Herbert explica:

A central 193 recebe a ocorrência, faz a triagem, vê qual tipo de ocorrência é e que tipo de viatura vai. Avisa o posto de bombeiros que aciona esse alarme. Os bombeiros descem pelo escorregador e, depois do alarme, eles tem 30 segundos para sair. Em todos os quartéis o alojamento é sempre em cima, isso permite um acesso rápido à parte de baixo.
Dependendo da ocorrência, nós mandamos bombeiros de motos para ver antes o que está acontecendo e prestar socorro.


Qual é o tipo de ocorrência mais atendida pelos bombeiros?

Em 2008, na Grande São Paulo, foi acidente de trânsito com vítima. Atropelamento foi a segunda ocorrência que mais aconteceu e a terceira posição nós chamamos de caso clínico, mas os bombeiros estão deixando de atender esses casos por conta do SAMU. Queda de moto é a quarta ocorrência mais atendida. Então, podemos dizer que as ocorrências envolvendo trânsito chegam a algo em torno de 50% dos atendimentos. Incêndios em edificações são nossa nona ocorrência mais frequente.

Os trotes para o 193, número de emergência do Corpo de Bombeiros, são muito frequentes?
materia3Os trotes acontecem, principalmente na hora do almoço. Eu mesmo já fui pra uma ocorrência que era trote. Mas o nosso pessoal é muito bem treinado para isso. Só quem trabalhou muito tempo na rua vem atender o 193. Então eles percebem pelo jeito da pessoa, se é uma emergência e a pessoa está calma demais. Com base nas perguntas, vamos fazendo a triagem. Até mesmo para fazer um salvamento por telefone.

E qual é o procedimento nesses casos, em que o atendimento é feito por telefone?
No último mês tivemos noticiados três casos de salvamento por telefone no estado de São Paulo. Isso é frequente, principalmente em casos de engasgamento, até porque o procedimento é simples. Se a pessoa estiver, calma ela consegue resolver.

O ser humano por trás do herói


Qual foi o episódio mais marcante da sua carreira?

Na verdade cada fase da carreira tem um episódio marcante. O último que vitimou muita gente foi o acidente da TAM. Eu tenho uma irmã que é aeromoça e que já trabalhou na TAM, inclusive. Então, você fica um pouco chocado com a situação, imaginando que poderia ser alguém da sua família no meio. Outras ocorrências consideradas pequenas, apesar de vida humana não ter preço, marcaram bastante minha carreira. Desde crianças que retiramos de poços até afogamentos.

Qual dos resgates que o senhor já fez foi o mais difícil?
A mais difícil na minha carreira foi um casal que acabou ficando preso na Avenida Guido Caloi, em 1997. Nós tivemos bastante trabalho para retirá-los de um Gol branco. Na verdade, esse foi o mais difícil, mas teve um caso cuja carga emocional foi muito maior. Em 1997 uma viatura dos bombeiros acabou colidindo com um ônibus que cruzou no farol vermelho, na Avenida Interlagos com a Avenida Rio Branco. Foi terrível, e eu sempre pedi a Deus para não me colocar em uma situação em que eu tivesse que fazer o salvamento ou entrar em uma ocorrência em que as vítimas fossem bombeiros. Quando você vê um bombeiro vítima do próprio acidente de trânsito, que é a ocorrência que mais atendemos, isso dá uma abalada em toda a equipe. Nesse caso, dos quatro bombeiros envolvidos, dois morreram.

O senhor já fez um salvamento que pôs sua própria vida em risco?
materiaJá, mas a gente só toma consciência disso depois que para e vê o que fez, é inerente da profissão. Por mais que a gente tente fazer da forma mais segura, depois que passa você pensa: “acho que eu me arrisquei demais aqui”. Isso acontece principalmente em incêndios, que eu particularmente gosto bastante. A gente acaba se empolgando.

Qual é o peso da responsabilidade de ter nas próprias mãos a vida de outra pessoa?
A responsabilidade é muito grande. Você incute na sua cabeça que poderia ser um parente seu, até você mesmo. Você fica pensando depois o que poderia ter feito para resolver uma ocorrência frustrada. É muito pesado, até mesmo quando você não pode fazer muito. No caso de um suicida, por exemplo. Uma vez eu fui chamado para uma ocorrência de um suicida em uma torre de energia. A torre tinha 50 metros, o garoto 17 anos. Os oficiais estavam subindo a torre, e quando, a 6 metros do menino, estavam prontos para começar a conversar com ele, ele soltou as mãos e pulou. O fato de não termos podido ajudar de nenhuma forma aquela pessoa deixou toda a equipe mal por um bom tempo.

Dia do Bombeiro Brasileiro
Comemoração:
São Paulo: 5 de julho
Parque da Independência, no Ipiranga. A partir das 8 hs, haverá a 14ª edição da corrida comemorativa. Em seguida, às 10 hs, acontecerá um evento militar com tropa formada e desfile das viaturas. Além disso, serão realizadas atividades relacionadas com o serviço dos bombeiros para interagir com a comunidade.

[mbs slideshow=1 ]