Bruno de Souza versus Nenê Constantino: a dualidade interpretativa da Justiça

Lado B – Diz a lenda que a Justiça é cega. O que leva qualquer incauto a crer que decisões judiciais não levam em conta o status do réu. Um enorme engano, pelo menos quando o assunto é o Brasil.

Ex-goleiro do Flamengo, Bruno Fernandes das Dores de Souza está preso em uma penitenciária da região metropolitana de Belo Horizonte acusado de ser o principal responsável pela morte de Eliza Samudio, sua ex-amante. O rumoroso caso, explorado aos bolhões pela imprensa sensacionalista, levará o ex-arqueiro rubro-negro a júri popular. A defesa do jogador, que já registrou seguidas trocas de advogados, tentou, sem sucesso algum, recursos dos mais variados em distintas esferas da Justiça. Mas as decisões dos magistrados parecem ser uma espécie de antídoto para a sensação de impunidade que grassa na nossa louca terra de Macunaíma.

Longe de defender a banalização do crime, o nosso desejo a aplicação isonômica da lei de norte a sul do País. Elisa foi declarada morta pelo fanfarrão delegado que conduziu as investigações, mas a denúncia foi baseada apenas em declarações contraditórias e que foram alteradas diversas vezes. Fora isso, não há cadáver para sustentar a afirmação do delegado Edson Moreira, da Polícia Civil de Minas Gerais. Garantem os especialistas em Direito Criminal que não há crime sem cadáver. E a história judicial verde-loura confirma tal tese.

Bruno de Souza nega de forma peremptória sua participação no crime, mas mesmo assim segue preso, sem direito a qualquer benefício da lei. Se as autoridades policiais conseguiram transformar o caso em enredo de filme de suspense, sem que provas fossem apresentadas para garantir a peça acusatória, cabe ao ex-goleiro o direito de responder ao processo em liberdade, uma vez que é réu primário e não representa perigo à sociedade e de igual maneira não pode interferir na sequência das investigações.

Não tão distante da capital mineira, mais precisamente em Brasília, o empresário Constantino Oliveira, o nada diplomático Nenê Constantino, fundador da Gol Linhas Aéreas e maior empresário brasileiro de ônibus, é acusado de ser o mentor da tentativa de homicídio de que foi alvo o seu ex-genro, Eduardo Queiroz Alvez. Preso na última semana durante audiência judicial, Nenê Constantino foi beneficiado por um pedido médico e permaneceu detido em um hospital da capital dos brasileiros.

Na noite do último sábado (18), uma decisão do desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, colocou em liberdade o truculento Nenê, que também é acusado de mandar matar o líder de um grupo de invasores de terras. Alvez, que litigava com a família Constantino por causa de uma conturbada divisão patrimonial, foi alvo de um atentado em 2008 quando deixava a Viação Planeta, pertencente ao fundador da Gol.

A dualidade interpretativa da Justiça brasileira apenas reforça a tese subterrânea de que privilégios têm aqueles que gozam da intimidade com o poder. E isso se confirma diante das ambíguas decisões que marcam os casos de Nenê Constantino e de Bruno de Souza. No tocante ao empresário, seu ex-genro é a prova viva de que a fracassada tentativa de homicídio de fato ocorreu. Em relação ao ex-goleiro, o desaparecimento de Eliza Samudio – por enquanto é apenas isso – escancara o “achismo” que emoldura algumas decisões da Justiça.

Eduardo Queiroz Alves, ex-genro de Nenê Constantino, que de acordo com as investigações deveria estar morto, está mais vivo do que nunca, para o azar do mandante. Eliza Samudio, ex-amante do arqueiro do Flamengo, está oficial e legalmente desaparecida, mas a incompetência das autoridades policiais achou por bem assassiná-la. E a cegueira da Justiça, por onde anda?