O faz de conta dos partidos

    (*) Gilmar Corrêa –

    Li, por esses dias, que a oposição terá que se reciclar se quiser sobreviver. O PSDB, principalmente, teria que reavaliar sua atuação, porque até mesmo os partidos da base governista estariam se adaptando aos novos tempos. Leia-se: o modo de administrar de Dilma Rousseff.

    A presidente teria mais escrúpulos com a coisa pública, diferentemente de seu antecessor e mentor político. Deixar de varrer a sujeira para debaixo do tapete seria uma dessas qualidades que os aliados terão de respeitar nos próximos quatro anos.

    Não creio, entretanto, que Dilma vá levar tudo a ferro e fogo. Se isso acontecer, seu governo pode terminar antes do tempo. Basta pensar na fome dos dois principais partidos de sustentação. Perdão, não são os partidos, mas seus dirigentes.

    Partido político no Brasil é bicho em extinção. Vários fatores levaram a essa situação, entre eles o fisiologismo que derruba propostas, programas e ideias. As agremiações partidárias se transformaram em porta de entrada para aproveitadores, e suas siglas meras referências para negócios.

    No Tribunal Superior Eleitoral há mais de 30 siglas registradas e na Câmara dos Deputados 20 delas têm assento no plenário com seus parlamentares. A quantidade, todavia, não quer dizer qualidade e representatividade.

    Os partidos existem há pelo menos 160 anos, mas perderam importância e influência na opinião pública. Surgiram no Brasil com a monarquia como símbolo de liberdade e participação popular. E como ensina Carlos Dalmiro da Silva Soares, têm o propósito de ser um foco permanente de difusão do pensamento político, além de estimular os indivíduos a manter, exprimir e defender suas opiniões.

    Como se vê, há uma enorme distância entre o papel dos partidos e a sua atuação. Tanto na monarquia como na república, os partidos políticos foram reprimidos, desprezados e hostilizados. Na ditadura recente dos anos 1960 e 1970, que se estendeu até a primeira metade da década de 80, sua atuação foi tutelada.

    Os novos tempos, porém, infringiram a essas agremiações um novo e pesado fardo. A doutrina e seus programas foram reduzidos a um mero carimbo de cartório para atender a legislação eleitoral.

    A reciclagem, portanto, não se resume apenas a uma atuação parlamentar da oposição e da situação. A questão deveria ser mais profunda, com o resgate doutrinário do papel dos partidos, seu fortalecimento. Passa também pela preparação das eleições, na escolha dos candidatos, na apresentação e defesa de propostas, como também o respeito à ética.

    Tudo isso acaba refletindo no conceito dos políticos junto aos seus eleitores. Político hoje é sinônimo de bandido, ladrão, safado e aproveitador, para citar apenas alguns adjetivos. Reexaminar o papel das siglas é consolidar a democracia. Como observa Mac Iver, sem o sistema partidário os únicos métodos para chegar-se a uma mudança de governo vêm a ser o golpe de Estado e a Revolução.

    A partir da avaliação do publicista inglês é fácil enxergar que muita gente não tem interesse no verdadeiro papel dos partidos. Com partidos fracos há espaço para outras ideias menos democráticas. Ainda bem que existe a liberdade de opinião. Graças a ela que a imprensa é livre.

    Sem partidos políticos fortes, a mídia acaba tomando o papel de porta-voz dos menos assistidos. Por conta disso, os políticos reclamam. Não deixa de ser um contrassenso. Para equilibrar o jogo democrático, só mesmo com partidos cumprindo a sua função constitucional. Instrumentos para isso estão garantidos, porque fazem parte do corpo das instituições oficiais, recebem subsídios e se convertem em órgãos do poder estatal.