Beijo milionário dá sobrevida à farsa da realeza britânica e para um planeta de sonhadores

    (*) Ucho Haddad –

    Nada é mais irreal do que a realeza. Verdade? Na maioria das vezes sim, mas a irrealidade ganha reforço quando a imprensa mundial se dedica no mesmo momento a um só assunto, absurdo, é claro. Foi assim durante a cerimônia de casamento do príncipe William, filho de Diana Spencer, com a plebéia Kate Middleton.

    O grande erro que abriu a cobertura jornalística da cerimônia religiosa foi afirmar que o casamento era real. Em primeiro lugar, trata-se de um conto de fadas, que como tal é uma obra de ficção. Em outras palavras, o casamento de William e Kate, mesmo sendo um evento da realeza, está muito mais próximo da irrealidade, do sonho, do que qualquer outra coisa. Resumindo, o que é irreal jamais será real.

    O segundo ponto a ser considerado é a questão semântica que recobre o fato. O mais cobiçado casamento das últimas décadas quando muito foi principesco, mas não real. De acordo com os bons dicionários que circulam nessa barafunda chamada Terra, principescos são os temas relacionados a príncipes e princesas, enquanto reais são os referentes a reis e rainhas. Ou seja, errou gramaticalmente a imprensa ao afirmar que se tratava de um evento real, pois ao final ambos deixaram a abadia de Westminster como príncipes. Ademais, o que se viu foi uma grande homenagem à mitomania, montada para dar sobrevida à realeza britânica, que há anos exala odor rançoso com notas de naftalina, a mesma que protege os chapéus e adereços da détraqué rainha Elisabeth II.

    Sob a ótica do Estado, oficializar a relação de William e Kate serviu não apenas para movimentar a economia londrina, mas também e principalmente para anestesiar a consciência dos britânicos, que desde a crise financeira internacional têm vivido à sombra de instabilidades e incertezas, cenário que domina o Velho Mundo e de lá parece não arredar o pé tão cedo.

    Se um conto de fadas é uma sandice desmedida, loucura maior cometeu a imprensa ao afirmar que o grande e esperado momento do evento era o beijo que os nubentes deram no balcão do Palácio de Buckingham, diante de milhares de súditos curiosos e turistas acidentais. Nada empolgante, o beijo de William e Kate no máximo foi mais uma das encenações de um espetáculo (sic) que foi minuciosamente cronometrado para mostrar ao mundo que a nobreza é tão precisa quanto necessária. Esse rápido tratado que faço sobre o beijo mostra que até na hora de beijar os plebeus são mais reais que a realeza.

    A cerimônia e seus preparativos foram marcados pelo protocolo, cujas imagens transmitidas aos quatro cantos do mundo encantaram até mesmo a extensa maioria dos mais céticos em relação às bizarrices da nobreza europeia. Diante de um cenário de fazer inveja às melhores e milionárias produções cinematográficas de Hollywood, a tendência era que muitos deixassem de lado a histórica quebra de protocolo que antecedeu o evento.

    Para encurtar essa viagem no tempo façamos uma rápida parada no casamento de Charles e Diana. Depois de repetir o mesmo script que há séculos emoldura os casamentos da realeza, Charles, meses depois de unir-se à mãe de William já se atirava nos braços de Camila Parker-Bowles, sua amante de longa data. Primeiro na linha sucessória do trono britânico, Charles afirmou certa vez, em uma de suas asquerosas declarações de amor, que gostaria de ser o absorvente íntimo da duquesa da Cornuália. Por maior que seja o amor de Charles por Camila, a sisuda fantasia da realeza não combina com a vocação de um nobre de ser o Tampax de uma princesa de araque que está mais para bruxa megera de fábula infantil.

    Voltando aos dias atuais, William e Kate sempre viveram distantes dos protocolos da realeza. Solteiro cobiçado no reino da vovó, o príncipe, que ganhou notoriedade no vácuo da fama e do calvário da mãe, sempre gostou de noitadas. Ao se deixar fotografar ao lado de mulheres, William mostrou aos súditos que a protocolar realeza britânica também padece da síndrome da mão boba, que ao ver um bem torneado seio tupiniquim renuncia aos ensinamentos palacianos.

    William, que há anos vivia oficiosamente com Kate, mergulhou na noite londrina logo após se separar da mulher amada. E como se sabe, o que não falta nos domínios da velha rainha é motivo para se abrir uma garrafa, desde que o conteúdo não seja água. O mesmo fez a outrora plebeia Kate Midlleton, que na madrugada inglesa foi fotografada a bordo de vestidos cujo comprimento enfureceu o príncipe e incendiou a maledicência de Buckingham.

    Diferentemente da finada sogra, Kate Midlleton já deu mostras que não é mulher de levar desaforos e muito menos de posar de ingênua diante do público posar de ingênua, o que não significa que Diana, a eterna princesa, tenha sido casta durante todo o tempo. Pelo menos é o que garantem as bocas de Matilde da terra do Big Ben.

    Para encerrar minha nada protocolar incursão, porém necessária, no mundo ufanista de reis e rainhas, bem como de suas reticências atabalhoadas, destaco que o casamento principesco foi marcado por mentiras, deboches e transgressões. Como também acontece nos casamentos plebeus, William e Kate prometeram reciprocamente manter um ao outro na riqueza e na pobreza. Ora, nesse caso é uma heresia falar em pobreza, quando o pano de fundo de tal declaração foi um casamento que custou aos contribuintes britânicos absurdos R$ 100 milhões.

    Dias antes, quando os detalhes da cerimônia ganharam as manchetes, a família real disse que abriria os cofres para custear o evento, como se essa turma trabalhasse de sol a sol. Dez entre dez pessoas sabem que nobres são indolentes que se valem da tradição para perpetuar o ócio. Entre as tantas fontes de renda da rainha da Inglaterra está a malfadada chancela “By the Appointment to Her Majesty the Queen”, que entope os cofres reais com libras esterlinas.

    Outra incoerência cometida no casamento principesco foi a fala mútua dos noivos, que sob os olhares dos presentes e dos eclesiásticos invocaram o nome de Deus para prometer um ao outro a palavra e a fé. Isso vale até que o próximo escândalo da realeza ganhe o reino patológico das fofocas.

    Tudo muito bem, pois cada um acredita no que quiser, assim como permite ser enganado. A essência de mais um casamento da nobreza é tão verdadeira quanto o anel de princesa que está sendo vendido por míseros R$ 2 nos camelôs mais descolados dessa louca Terra de Macunaíma.

    Sendo assim, a reboque desse sonho que ainda não virou pesadelo, só me resta dizer “sois rei, sois rei”, pois a vida deve seguir, mesmo que na trilha da mentira dourada, pois atrás vem gente, muita gente.