Ayres Britto concorda com união civil de homossexuais e Supremo retoma julgamento nesta quinta

(*) Luís Orlando Carneiro, do Jornal do Brasil –

Se depender do voto do relator, ministro Ayres Britto, o Supremo Tribunal Federal está prestes a reconhecer a união homossexual como entidade familiar, “para efeito de proteção do Estado”, dando aos casais homoafetivos o mesmo tratamento que a Constituição e o Código Civil só conferem à “união estável entre o homem e a mulher”. O julgamento das ações de inconstitucionalidade propostas pelo governo do Rio de Janeiro e pela Procuradoria-Geral da República para obter da Corte uma “interpetação conforme a Constituição”, a fim de garantir aos homossexuais os mesmos direitos civis dos heterossexuais no âmbito familiar, foi interrompido, na noite de quarta-feira (04), ao final do voto de mais de uma hora e meia do relator, e será retomado na tarde de amanhã.

Nas duas ações, seus autores pretendem dar uma interpretação mais ampla ao artigo 226 da Carta de 1988, e obter a declaração de inconstitucionalidade do artigo 1.723 do Código Civil (atualizado em 2002). O parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição dispõe que “para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar”. De acordo com o Código Civil, “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

Na primeira parte do seu longo voto, Ayres Britto começou por afirmar que a preferência sexual é “um autêntico bem de personalidade”, não havendo distinção entre os gêneros masculino e feminino.

“É óbvio que a preferência sexual deriva do princípio do respeito à personalidade humana”, disse ele. “Os homossexuais só se realizam como tais, da mesma forma que os heterossexuais, e a Constituição não proíbe a homossexualidade”.

O ministro-relator deu ênfase a duas “cláusulas pétreas” da Constituição: a que considera “invioláveis a vida privada, a honra e a imagem das pessoas” (artigo 5º, inciso 10) e a que obriga a promoção do “bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (artigo 3º, inciso 4). Segundo ele, por não ser proibida, entende-se que é permitida a união homoafetiva.

Quanto à cláusula constitucional sobre a família como instituição a merecer “especial proteção” do Estado, o ministro-relator entendeu que a referência explícita à mulher, ao lado do homem, no artigo 226, tem por objetivo enfatizar a proteção especial que deve ter o sexo feminino.

“Trata-se, aí, de proteção constitucional específica – realçou. – A família é uma instituição vocacionalmente amorosa. Sem ginástica mental, pode-se entender que a Constituição não emprestou à família sentido ortodoxo, mas aberto, ou seja, não disse que só o casamento civil é que funda a família. A família não é só marido e mulher, mas filhos, e todos os parentes próximos, independentemente de sexo”.