CNJ: o Conselho que veio para colocar ordem no Judiciário

Corregedorias complicadas – Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o cargo de vice-corregedor de tribunal não integra os chamados cargos de direção. Por isso, quem o exerce não pode ser privado de, depois, assumir a vice-presidência e a presidência do tribunal. A decisão foi tomada em uma disputa interna pelo cargo de presidente do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais.

Antes do STF, o Conselho Nacional de Justiça havia tomado a mesma decisão. Como dezenas de outras, essa foi contestada na Corte Suprema. Desta vez, o entendimento do CNJ, fixado com base em um voto do decano do Conselho, Marcelo Nobre, prevaleceu. Mas não são poucas as decisões do órgão administrativo que caem diante do juízo do tribunal.

Para Nobre, não há qualquer problema nesse fato. O conselheiro rechaça a ideia de que haja um conflito entre o CNJ e o STF. “Não existe esse conflito. O CNJ é a longa manus do Supremo Tribunal Federal, seu braço administrativo. Os caminhos do CNJ são corrigidos pelos ministros do Supremo”, afirma. O conselheiro ressalta que o percentual de decisões do Conselho contestadas no Supremo é mínimo e que quem recorre à Corte está correto. Isso porque, com suas decisões, “o Supremo tem dado as orientações sobre qual é o caminho correto que o Conselho Nacional de Justiça deve seguir”.

Em entrevista ao repórter Rodrigo Haidar, da revista “Consultor Jurídico”, Marcelo Nobre rebate as críticas de que o CNJ se desviou de sua principal função de fazer o planejamento estratégico do Judiciário para se transformar em uma supercorregedoria.

Recentemente, a competência do CNJ foi colocada novamente à prova. A AMB [Associação dos Magistrados Brasileiros] atacou no Supremo a Resolução 135, que fixou uma regra uniforme para o andamento de processos disciplinares contra juízes. Mais uma vez, se alega que o CNJ feriu a autonomia dos tribunais. O CNJ vem extrapolando suas atribuições?

Não, pelo contrário. Acho que a AMB não entendeu a resolução. A norma vem para cumprir exatamente o que a Constituição diz ser a atribuição do Conselho Nacional de Justiça. É uma resolução benéfica para a magistratura e para o Poder Judiciário porque padroniza os processos administrativos disciplinares em todo país. Aquele que tem visão estreita, ou seja, de um só lugar, de um só tribunal, pode achá-la estranha. Mas quando se sai de perto daquela visão única, exclusiva de um tribunal, você enxerga o país, que é o caso do CNJ. E quando nos deparamos com processos administrativos disciplinares completamente distintos na sua tramitação, a reação natural é tentar colaborar com o Judiciário com a padronização dos procedimentos.

Exatamente ao padronizar, o CNJ não interfere de forma irregular na autonomia dos tribunais?

O CNJ não está interferindo nos processos administrativos disciplinares. O que o CNJ quer fazer é que todos os tribunais tenham um processo administrativo disciplinar padronizado na sua generalidade, e não na sua especificidade. Cada tribunal irá tocar seus processos, sem interferência. Mas a forma como isso será tocado, o CNJ pode e deve estabelecer. O objetivo é padronizar apenas o andamento de um processo administrativo importantíssimo, que é o disciplinar sobre os desvios de conduta de magistrados e servidores do Poder Judiciário. Há questões que não podem ser tratadas de forma diferente, de maneira alguma, como prazo para recurso e direito à ampla defesa. É nessas questões que o CNJ está atuando. Nas outras, que dependem de interpretações, cada tribunal pode fazer do seu jeito.

Na ação, a AMB levanta mais uma vez a polêmica sobre a competência do CNJ em processos disciplinares: se é concorrente ou subsidiária à das corregedorias dos tribunais locais. Essa discussão está no Supremo. Qual sua opinião?

Na minha interpretação, a competência é concorrente. E essa convicção vem da experiência de estar dentro do Conselho Nacional de Justiça e analisar e julgar os casos de desvios que acontecem no país. Por que o CNJ foi criado? Porque as corregedorias locais não funcionavam, não funcionaram e não estavam funcionando até a criação do Conselho Nacional de Justiça. Só começaram a funcionar depois do CNJ. Dizer que nossa competência é subsidiária é voltar, no mínimo, seis anos no tempo, quando não existia o CNJ.

Hoje as corregedorias não funcionam melhor?

Sim, funcionam. Mas hoje os tribunais julgam seus processos disciplinares exatamente porque sabem que existe o Conselho Nacional de Justiça. É preciso desmitificar essa questão. E, mesmo hoje, muitos tribunais não conseguem julgar os processos administrativos. Em muitos casos, são os próprios tribunais, seus corregedores e presidentes que pedem ao CNJ que avoque o processo para julgar. É necessário verificar também que, com a mesma frequência que nós julgamos originariamente muitos casos de desvio de função, remetemos outros tantos para as corregedorias locais e fixamos prazos para que a decisão seja tomada.

Por que há casos que as corregedorias locais não conseguem julgar?

Por diversos motivos. Algumas vezes por conta da relação do magistrado com o tribunal, que divide o colegiado. Há vários casos de licenças médicas, afastamentos, férias e ausência por outros motivos de desembargadores para que determinado processo não seja julgado por falta de quórum. É grande o número de casos arquivados porque não havia o número necessário de desembargadores para julgar o processo. Há casos gravíssimos de desvio de função que são arquivados pelos motivos que eu expus. Por isso, é preciso ter muita cautela para se tomar essa decisão sobre a competência sob pena de se restringir demais a atuação do CNJ. É muito comum as faltas acarretarem a prescrição dos casos ou falta de quorum para que sejam aplicadas as punições devidas.

Como o senhor define o CNJ?

É a longa manus do Supremo Tribunal Federal, seu braço administrativo. É presidido pelo presidente do Supremo e seus caminhos são corrigidos pelos ministros do Supremo. Por isso, eu considero descabidas afirmações que surgem, muitas vezes, de que o CNJ estaria em conflito com o STF. Não existe esse conflito. Mas o que eu peço a todos, inclusive à AMB, é que reflitam e se debrucem na análise da nossa competência com a ótica do país, do todo, não olhando apenas um lado da questão. Peço que tentem perceber a importância da competência concorrente do CNJ.

Se o Conselho Nacional de Justiça age de forma equilibrada, por que há tanta contestação de suas decisões no Supremo e tantos casos em que elas são suspensas?

Em primeiro lugar, o que chega ao Supremo é mínimo. Se compararmos o volume de julgamentos do CNJ e o que se contesta no Supremo Tribunal Federal, vamos verificar que o percentual é mínimo. E eu acho que essas pessoas que vão ao Supremo estão corretíssimas, porque o tribunal tem dado as orientações sobre qual é o caminho correto que o Conselho Nacional de Justiça deve seguir. O CNJ é um órgão novo. Estudiosos afirmam que órgãos novos levam 10 anos para atingir seu ponto de equilíbrio. O CNJ completou seis anos. Como toda instituição nova, o Conselho entra naquele princípio do pêndulo. Algumas vezes vai mais para um lado, depois mais para outro. Primeiro, a ênfase foi no papel correcional. Depois, na gestão, no aperfeiçoamento do Poder Judiciário. E quando isso aconteceu, sofremos críticas de que o Conselho não cumpria mais seu papel correcional. O que não é verdade, absolutamente.

E hoje, para onde pende o CNJ?

Estamos em um ponto de equilíbrio muito interessante. A sociedade brasileira aprova o Conselho Nacional de Justiça porque ele vem agindo corretamente, no plano correcional, e no pleno de gestão. O Conselho Nacional de Justiça é justo e pensa o Judiciário do Século XXI. E a composição do Conselho, com ministro do Supremo e de tribunais superiores, juízes, membros do Ministério Público, da advocacia e representantes da sociedade, faz seus integrantes crescerem muito, aprender com visões e argumentos diferentes da realidade na qual cada um teve origem.