Não é refresco essa pimenta

    (*) Marli Gonçalves –

    Uma coisa é uma coisa. E dependendo da ordem de onde está para ser posta a famosa pimenta ardida do dito popular, como colírio ou…, as situações mudam de forma impressionante. E viram uma outra coisa, provavelmente até mais cabeluda e difícil de resolver.

    Incrível como qualquer mudança de ângulo é capaz de mudar uma história. São os contrapontos de nosso cotidiano. Vou começar de forma radical, do jeito que o diabo gosta, mas deixando claro que isso não quer dizer nenhuma tomada de posição ou de lado. Apenas só mais uma irreal e insana tentativa de entender a realidade.

    O terrível magrelo traficante Nem e muitos daqueles seus horrorosos comparsas foram presos. A polícia ocupou a Rocinha. Mas eu vi, ouvi e li vários relatos da população local questionando, preocupada, quem os ajudaria agora. O poder do tráfico é mantido em geral pelas benesses e concessões de favores aos moradores das regiões que ocupam. O pagamento do aluguel atrasado de um, a compra de remédio para outro, a proteção contra um inimigo, o carro para levar um idoso ao hospital.

    E como anda bem difícil achar quem ainda acredite em governos e instituições, tanto aqui como na Conchochonha ou Conchichina… Mais fácil acreditar no malaco que se vê todo dia no bar, ou no baile. Isso não é bom.

    É um novo populismo, rígido e centralizador, o que se instala, no sentido mais tradicional de assistencialismo e paternalismo, dá-lá-toma-cá, esse tipo de coisa se alimentando sorrateiramente nos morros, favelas, igrejas e prisões, apenas para citar algumas estruturas. Um novo escambo comportamental movido a interesses pessoais; legítimos, mas pessoais.

    Hoje eles são mais raros, mais ainda existem no imaginário popular: os agiotas. Porque muitas vezes as pessoas preferem procurá-los do que aos bancos? Provavelmente pela possibilidade de diálogo direto, mesmo que isso possa ser ameaçador e arriscado. É um negócio entre pessoas. Pessoas que não vão pesquisar a vida SPC. Emprestam. Se o cara não pagar, vai se haver feio, na “mano”, muitas vezes até sob violência; mas não com papéis e processos. Uma escolha. Juros por juros, escorchantes, excessivos, parece mais fácil que os bancos. Espero que não me linchem, mas ficha limpa por ficha limpa, alva, quantos são os que têm? Quem não tem uma pendenguinha pendurada aqui ou ali, mesmo que involuntariamente?

    Há vidas e possibilidades paralelas ao longo de todo o nosso percurso. A ideia dos espelhos, igual à da abertura da novela. Nossos pequenos crimes, talvez?

    Não sou muito chegada a hipocrisias, embora até às vezes as reconheça como necessárias. Lá vem um outro exemplo da tese de como o é realmente difícil que algo seja bom para gregos (quase ruços, agora na crise braba) e troianos: as cadeias e a tal “facção criminosa que domina os presídios”, como dizem as tevês que agora não ousam mais falar o nome PCC. Antes havia várias; agora, o PCC domina todas as prisões, com alguns sócios no Rio de Janeiro. E digo dominar mesmo, inclusive a moral vigente no interior delas. Percebeu como diminuiu o número de rebeliões? (E percebeu que aumentaram os grandes assaltos, de equipes, até com turnos de ação?)

    Igrejas. Igrejinhas. Igrejões. Seitas, seitinhas. Associações, ONGs, agremiações. Todas as denominações possíveis de agrupamentos que, movido por líderes, ou espertos, ou ambos, viram um lar, uma entidade social de apoio, um telhado. Entende por que eles, grupos em torno de uma crença, – todas as religiões – crescem para os lados e para cima com seguidores? Antes eram assim os pequenos e aconchegantes centros espíritas e terreiros de umbanda, mas impossíveis para os bilhões que hoje viramos. Era o “painho”, a “mainha”; hoje é o Padre Marcelo Rossi. Os bispos e pastores das evangélicas que se diferenciam porque estão sempre com as portas abertas, láááá. Sabe lá? É uma quebrada que você nem imagina, onde-você-nunca-foi-nem-irá, obrigado, mas onde as pessoas vivem e morrem.

    Elas precisam de tudo e de apoio. E essas organizações cada vez maiores e mais poderosas, atuando volumosamente no paralelo, estão sempre por perto, como um “paragoverno”.

    Não dá para substituir algumas coisas. Assim como não será a prisão do Nem e seus metralhas que acabará com o crime e o tráfico, fazendo nascer um jardim florido, muito menos naquela favela comunidade castelo da Rocinha. Tão grande que daqui a pouco proclamará independência, solicitando suas credenciais de município fluminense.

    Logo, mesmo com a ocupação militar, surgirá um novo líder; não é preciso ser vidente. Só precisamos é rogar para que seja bem mais próximo do Bem do que do Nem.

    São Paulo, atenção, em 2011, eles estão vindo para cá, e se instalando lá onde quase ninguém nunca vai.

    (*) Marli Gonçalves é jornalista. De vez em quando mira o mundo, atrás das respostas sobre algumas coisas. Coisas de repórter.

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