Demissão de apaniguados políticos pode deflagrar onda de retaliações ao governo no Congresso

Dúvida cruel – Depois de anunciar durante meses uma profunda reforma ministerial, agendada para janeiro, a presidente Dilma Rousseff optou por fazer pequenas mudanças pontuais. Pelo menos é isso que se depreende da movimentação palaciana em torno do assunto. O recuo da presidente se deve ao fato de ser este um ano eleitoral, quando o governo petista precisa aprovar matérias importantes no Congresso Nacional para turbinar as campanhas dos companheiros e aliados políticos que concorrerão nas eleições municipais de outubro próximo. Como sem o apoio dos partidos da chamada base aliada as tais aprovações dificilmente acontecerão, Dilma achou por bem recolher a cimitarra.

Em outro ponto da acanhada dança de cadeiras tem acontecido mudanças no segundo escalão do governo, o que tem levado alguns aliados ao descontentamento. É o caso do diretor do Departamento Nacional de Obras contra a Seca (Dnocs), Elias Fernandes Neto, que pediu demissão do cargo na quinta-feira (26) após ser acusado de favorecer seu estado de origem, Rio Grande do Norte, em convênios com o órgão. O ministro Fernando Bezerra Coelho (PSB), da Integração Nacional, pasta à qual é subordinado o Dnocs, disse que não comentaria a decisão de Fernandes Neto.

Líder do PMDB na Câmara dos Deputados e padrinho político de Elias Fernandes Neto, o potiguar Henrique Eduardo Alves desafiou o governo federal, dias atrás, a demitir o agora ex-diretor-geral do Dnocs. A saída de Fernandes Neto se deu por pressão palaciana e pode render ao governo da presidente Dilma retaliações no Congresso. Na última segunda-feira (23), por causa das denúncias de irregularidades no órgão, o diretor-administrativo do Dnocs, Albert Brasil Gradvohl, também indicado pelo PMDB, foi exonerado do cargo. A decisão do Planalto em relação Gradvohl foi a centelha que faltava para acender o pavio da bancada peemedebista, que promete dar o troco.

Outro assunto que deve dificultar a vida do governo no Parlamento é a demissão de Cássio Peixoto, que respondia pela chefia de gabinete do ministro das Cidades, Mário Negromonte (PP-BA). Antes de a presidente Dilma Rousseff desistir da ampla reforma ministerial, Negromonte disse que estava mais forte do que nunca. A fala do ministro não foi direcionada ao Palácio do Planalto, mas a um grupo de parlamentares do Partido Progressista que tenta derrubá-lo desde o semestre passado. Esse grupo é comandado pelos senadores Ciro Nogueira, do Piauí, e Benedito de Lira, de Alagoas. Na Câmara a dupla conta com o apoio incondicional do deputado Eduardo da Fonte (PE), que como corregedor da Casa tem deixado a desejar. Esse grupo trabalha com a possibilidade de Márcio Fortes voltar à pasta das Cidades.

Como parte do PP está descontente com a contrapartida do Palácio do Planalto, o governo pode ter alargado o espectro da eventual retaliação no Congresso com a demissão de Cássio Peixoto, acusado de reunir-se, no ministério, com um lobista e um fornecedor de equipamentos de informática. É fato que essa não é a prática mais recomendável no serviço público, mas não é apenas no Ministério das Cidades que isso acontece.

Quando eclodiu o escândalo que ficou nacionalmente conhecido como “Mensalão do PT”, a decisão tomada por assessores de Luiz Inácio da Silva foi mudar o esquema de compensação aos partidos que dedicavam ao governo apoio incondicional no Congresso. E a saída encontrada foi entregar os ministérios aos partidos, que assumiriam os riscos das transgressões.

Não se trata de defender os que transformam o Estado em cornucópia particular, mas de lembrar que até então o governo federal silenciava diante dessas atitudes criminosas, algo que foi entregue à presidente Dilma Rousseff por seu antecessor, o ex-metalúrgico Luiz Inácio da Silva.

Como sempre informou o ucho.info, a relação entre o Estado e a corrupção pode ser comparada a um tumor na veia aorta. Eliminar o corpo intruso é necessário, mas a remoção deve ser precisa e delicada, sob pena de o paciente morrer na mesa de cirurgia. Por outro lado, de nada adianta tirar do cargo um transgressor, se o sistema que dá sustentação ao governo é essencialmente corrupto. Promover uma assepsia na máquina estatal é algo importante, mas o custo político será sempre muito alto.