Começa no STF o julgamento do pedido de descriminalização do aborto de anencéfalos

Julgamento longo – O Supremo Tribunal Federal (STF) já iniciou o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, ajuizada em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), que defende a descriminalização do aborto em caso de gravidez de feto anencéfalo (sem cérebro). A entidade alega que nesse caso existe ofensa à dignidade humana da mãe, por ser obrigada a carregar no ventre um feto que não sobreviverá após o parto.

De acordo com o que estabelece o Código Penal, aborto é crime em todos os casos, exceto se houver estupro ou risco de morte da mãe. Datado do de 1940, o Código não trata de anencefalia, mas juízes e tribunais têm decidido isoladamente sobre a interrupção da gravidez, sendo que na maioria das vezes os pedidos são concedidos. Em alguns casos, a ação perdeu o objeto em razão da demora – quando o processo chegava às mãos do juiz, o parto já havia ocorrido.

Por conta inúmeros casos de gravidez de anencéfalo, a polêmica acabou batendo à porta do STF. O tipo de ação é uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (utilizada para fazer valer um princípio da Constituição), apresentada em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, que defende a tese de que impedir o aborto nesses casos fere uma garantia fundamental: a dignidade da mãe.

A decisão do Supremo deve uniformizar o entendimento dos tribunais, porém, a solução do problema pode estar ainda distante, uma vez que a permissão definitiva do aborto em casos de anencefalia depende de lei específica a ser aprovada pelo Congresso Nacional. Atualmente, tramitam no parlamento dois projetos de lei relacionados à interrupção de gravidez de anencéfalo, mas não há previsão para a votação das matérias.

Na opinião da presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde e membro efetivo da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico Hospitalar da OAB-SP, Sandra Franco, o problema – e a polêmica derivada de questões éticas, religiosas, morais e legais – já existia desde que se tornou possível realizar o diagnóstico intrauterino de anencefalia.

“Magistrados de diferentes regiões do país têm autorizado a realização do aborto, desde que comprovada à anencefalia, com a premissa de que o feto não apresenta qualquer possibilidade de vida fora do útero e, portanto, não possui um direito fundamental à própria vida a ser garantido pelo ordenamento jurídico”, alerta.

A especialista em Direito Médico ressalta que tal conclusão estaria também corroborada pela Lei n. 9.434/97, que dispõe que a vida cessa com a morte encefálica ou morte cerebral. “Se não há vida no feto anencéfalo, sob o prisma jurídico, não há sentido em prolongar a gravidez e acarretar riscos e prejuízos psicológicos e à saúde da gestante. O avanço, portanto, estará na possibilidade de a mulher interromper a gravidez sem ter de passar por um processo judicial, até agora a única forma de ela e os profissionais de saúde envolvidos não cometerem um ato ilícito”, explica Sandra Franco.