Lei do Inquilinato não deve mudar para o bem do locador e do locatário

(*) João Gilberto Goulart –

É corriqueiro ouvir rumores sobre alterações na Lei do Inquilinato, mas não há nenhuma mudança aprovada na lei de locação de imóveis urbanos quanto à livre estipulação do aluguel. Há vários projetos de lei no congresso tratando de matéria locatícia, alguns deles tramitando de forma conjunta. Especificamente quanto às limitações da livre estipulação do aluguel, há um projeto de lei (PLS 289/2007) que pretende limitar a cobrança de mais de doze prestações anuais de aluguel e de aluguel complementar. Originalmente, o projeto inseria essa limitação na parte geral da lei, mas uma emenda posterior passou a direcionar a proposta de modificação para as locações em shopping centers.

A cobrança de aluguel em dobro ou em valor diferenciado em alguns meses do ano e a cobrança de aluguel complementar nunca foram abusivas, até mesmo porque a jurisprudência pacífica dos nossos tribunais respalda esses ajustes especiais. A Lei 8.245/91, em seu artigo 17, diz que “é livre a convenção do aluguel”, vedando apenas sua estipulação em moeda estrangeira e sua vinculação à variação cambial ou ao salário mínimo. Logo, não há sequer a obrigação legal de que sejam pagas prestações mensais. O aluguel pode ser, por exemplo, trimestral, anual ou até mesmo pago antecipadamente por um período ajustado, quando a locação não estiver garantida. Com respeito às locações em shopping centers, essa liberdade contratual é reforçada ainda mais pelo artigo 54 da mesma lei do inquilinato, que estabelece que nas relações entre empreendedores e lojistas de shopping centers prevalecem as condições livremente pactuadas pelas partes. Portanto, nunca houve abusividade nessas estipulações, pois a lei faculta às partes estabelecer a melhor maneira de remunerar a locação do imóvel, que usualmente segue a praxe do mercado e a conveniência das partes.

O aluguel em dobro nos meses de dezembro ou em outros meses de maior movimento comercial é uma praxe nas locações em shopping center, por exemplo, que atende à sazonalidade do setor, criando um diferencial de remuneração para a locação nos períodos em que sabidamente o comerciante tem uma folga financeira maior. Sem adentrar aspectos legais relacionados à mitigação de princípios constitucionais como o do direito à propriedade privada e à livre iniciativa, o fato é que mesmo na esfera prática a alteração proposta nesse projeto de lei teria um resultado inverso ao originalmente pretendido. Como o preço do aluguel é ditado pelo mercado, os locadores simplesmente passariam a redistribuir o valor do aluguel em dobro por todos os meses do ano, tornado a locação mais onerosa nos meses de menor movimento comercial. Isso iria somente aumentar a inadimplência e criar dificuldades para os próprios locatários de lojas comerciais. Ou seja, a pretexto de proteger locatários supostamente prejudicados, a mudança iria reduzir a capacidade de pagamento desses comerciantes. Não há justificativa jurídica e nem prática para criar restrição à livre estipulação do aluguel hoje existente.

É também por isso que nenhuma proposta de mudança na lei evoluiu e nem foi aprovada sobre esse tema. E nesse projeto em especial, se os nossos congressistas fizerem uma análise consciente e sensível do tema, não deverá ser aprovada mudança, pois não fossem bastantes seus vícios jurídicos, o projeto também não encontra eco na vontade da sociedade.

A lei de locação de imóveis urbanos é uma das legislações especiais mais perfeitas do nosso ordenamento jurídico. Foi fruto de extenso debate entre juristas e diversas entidades representativas de locatários e locadores, resultando num complexo normativo equilibrado que veio apaziguar um setor que sempre havia convivido com legislações tendenciosas, ora pró locatário, ora pró locador, que acabavam por inibir o mercado imobiliário ao invés de fortalecê-lo. Ao longo do tempo, a lei sofreu mínimas alterações que ocorreram para refletir a evolução do posicionamento da jurisprudência sobre alguns poucos temas controversos. Isto é, quando houve alteração, essa ocorreu para positivar no texto legal um entendimento já consolidado dos Tribunais. O que se pretende nesse projeto de lei é, ao contrário, impor mudanças que não refletem o pensamento do mercado, das entidades envolvidas e nem da comunidade jurídica – doutrina e jurisprudência – sobre um tema extremamente sensível para a sociedade. O resultado de uma iniciativa dessa natureza é, não raro, desastroso e contrário aos interesses coletivos.

(*) João Gilberto Goulart é graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, pós-graduado em Direito de Empresa pelo Instituto de Educação Continuada da PUC-MG e pelo MBA em Direito da Economia e da Empresa da Fundação Getúlio Vargas. Membro da Associação Brasileira de Advogados do Direito Imobiliário e da Comissão de Direito da Construção da OAB/MG.