Que tal essa, Hipócrates?

(*) Percival Puggina –

O Conselho Federal de Medicina recomendou ao Senado incluir no novo Código Penal a descriminação do aborto praticado até a 12ª semana de gestação. Chegou ao órgão máximo dos médicos brasileiros a epidemia do relativismo e males conexos – ausência de fundamentos como pressupostos para o pensar, niilismo, subjetivismo e individualismo. Ética de opinião e ocasião. Essa peste chegou lá e já reivindica lugar no nosso ordenamento jurídico para comandar as pinças e tesouras dos doutores. Abjuraram o juramento! Hipócrates bateu com a testa na tampa do túmulo.

O presidente do CFM esclareceu que o órgão “defende a plena autonomia da mulher de levar uma gestação adiante”. Aprendeu rápido. A frase é ardilosa porque a autonomia realmente defendida pelo Conselho é a de “não” levar uma gestação adiante. Desde quando, doutores, plataforma de feminismo desnorteado é razão médica? Ora, cavalheiros, gravidez não é abscesso que se drene. Não é pólipo que se extraia. O feto é um inteiramente outro que está na mulher mas não se confunde com ela nem a ela pertence como coisa de descarte. O feto é um de nós! E a exemplo de cada um de nós, integra a humanidade. Os motivos capazes de levar uma mulher a querer o aborto são muitos, mas não passam disso: motivos. Também os assassinos comuns alegam motivos. Eles podem servir como atenuantes, mas um povo sadio não escreve leis concedendo autorizações para matar. Tudo isso, leitor, é ética torpe, sórdida. É ruptura com os melhores fundamentos do pensar humano. Pode-se até compreender quem cede à força dos motivos e faz um aborto. Mas jamais que o CFM defenda o aborto em tese!

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As passagens de ônibus subiram vinte centavos em Porto Alegre. E os estudantes, mobilizados principalmente pelo DCE da UFRGS, partiram para cima do belo prédio da Prefeitura quebrando tudo que fosse menos sólido. A estudante que falou pelo movimento no programa Conversas Cruzadas afirmou, contra toda a evidência das imagens de tevê, que o movimento era pacífico. Paus, taquaras, latas de tinta e objetos de arremesso teriam sido transportados, então, para serviço da paz. Prefiro a Cruz Vermelha.

Há um elemento naquele quebra-quebra que exige reflexão. Tratava-se de um protesto de estudantes contra o aumento das passagem para R$ 3,05. Acontece que os estudantes têm o privilégio de pagar apenas metade desse valor. E a metade que os estudantes deixam de pagar eleva a tarifa para os demais passageiros. Aliás, somando-se todas as isenções e regalias tarifárias concedidas chega-se a quase um terço do total dos transportados pelo sistema em Porto Alegre. Um terço! Não é difícil deduzir que, se todos pagassem, a passagem custaria algo próximo a R$ 2.

Pondere, então, estas duas perguntas. Quem deveria estar protestando? Contra quem deveria ser o protesto? Obviamente, só teriam legitimidade para protestar, se quisessem, os que efetivamente pagam o valor objeto do protesto. Protestariam contra a tarifa, contra terem que pagar pelos que não pagam e contra a extensiva e falsamente generosa concessão de isenções e privilégios com o dinheiro deles. E protestariam contra quem? Contra, por exemplo, os que pagando meia tarifa descarregaram no belo prédio da Prefeitura sua feia e injustificável ira. Ira forjada, atiçada e orientada para fins políticos, partidários e ideológicos. Foram estes fins – e só eles – que determinaram o quebra-quebra.

(*) Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a Tragédia da Utopia e Pombas e Gaviões.