Tarso não fala com Tarso

(*) Percival Puggina –

O governador Tarso Genro, em recente reportagem publicada no jornal Zero Hora, manifestou-se alarmado com o déficit da Companhia Estadual de Energia Elétrica. Classificou as ações trabalhistas promovidas por servidores da companhia como “paiol de dinamite de reclamatórios” causadoras de um “passivo brutal”. Esse passivo chega a R$ 407 milhões e há 9,4 mil ações pendentes. Enquanto isso, a rede de distribuição de energia está aos cacos e o fornecimento é interrompido faça vento, frio ou calor. Haja raio ou chuva. E, às vezes, sem qualquer motivo observável.

Pus-me a pensar. Nosso governador, eleito em primeiro turno pelos gaúchos, depois de 27 meses de governo, anda impressionado com os números do passivo trabalhista da principal companhia energética do Estado? Só agora? Só agora, quando sua gestão está mais para o fim do que para o começo? Por outro lado, o titular do Piratini é advogado e foi por muito tempo advogado de sindicatos. É perfeitamente conhecedor dos caminhos que conduzem as reclamações trabalhistas até o Erário, pela via não tão expressa, mas bem trafegável, da sempre generosa Justiça do Trabalho.

Poderíamos pensar que diante da amarga realidade da maior estatal gaúcha, o governador tenha aprendido a ser prudente em relação ao dispêndio público. Não. Nada disso. Durante a campanha eleitoral de 2010, Tarso Genro surfou na onda generosa de uma de suas iniciativas como ministro da Educação – o piso nacional do magistério público. Orgulhava-se de haver proposto o referido piso e de ter sido o segundo signatário da lei que o instituiu, já então como ministro da Justiça, em ato que teve a participação de Lula, da candidata Dilma e de seus companheiros de partido e governo. Evento de muita festa, regozijo e dividendo político.

Surfando, chegou ao Piratini. Pergunto: pagou o piso que tanto alardeara como coisa extraída do lado direito do próprio peito, em reverência aos mestres brasileiros? Não. Nem bem sentou na ambicionada cadeira fez aprovar robusta majoração no percentual de desconto previdenciário de todos os servidores. Era tão descabido o valor que o Tribunal de Justiça do Estado o declarou inconstitucional por equivaler a sequestro de vencimento. Quanto ao piso do magistério – o cantado e sonhado piso – esse foi agendado para as calendas do final do governo. Parece mentira, mas é verdade. O governador gaúcho entrou em confronto jurídico consigo mesmo. Alinhado com colegas de outros Estados, buscou junto ao STF alterar a cláusula de reajuste constante do projeto que ele mesmo criou.

Ao fim e ao cabo, o Supremo determinou que o piso concebido pelo ministro vale, também, para o governador. E vale a partir de 27 de abril de 2011. Portanto, se Tarso Genro quer responsabilizar alguém pelos seus sustos, deve procurar dentro dos próprios sapatos. Ali, calçado e amarrado, está o autor do mais robusto paiol de dinamite de reclamatórias que apavora a comunidade gaúcha. Ações certamente já começam a tramitar, envolvendo direito líquido e certo, reconhecido pelo STF. E gerarão uma dívida cujo montante se estima em algo como R$ 10 bilhões até o final do governo de Sua Excelência. Consta que Tarso Genro governador já se recusa a cumprimentar Tarso Genro ministro.

(*) Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a Tragédia da Utopia e Pombas e Gaviões.