Sobre vândalos e comunistas

    (*) Ipojuca Pontes –

    Em 1866, numa carta destinada a Alexander Herzen, mentor do socialismo russo, Mikhail Bakunin (anarquista para quem Marx não passava de um “monte de esterco”), escreveu o seguinte: “Só a partir da associação entre marginais e estudantes se chegará à revolução”. E acrescentou: “Creia, meu bom amigo, sem a decisiva participação da ‘canaille’ não teria havido a queda da Bastilha nem a revolução de fevereiro de 1848, em Paris, com seus milhares de manifestantes incendiando as ruas, num quebra-quebra que terminou por forçar Luís Filipe à abdicação do trono”.

    Já durante as escaramuças da Revolução Russa, em 1917, no trem que os alemães cederam a Lenin a fim de que ele desestabilizasse em S. Petersburgo o Império do Tzar, o bolchevique sifilítico instruiu seus camaradas para que incitassem sem amarras a ação dos marginais na turbulência das ruas, mesmo admitindo que o lumpenproletariat, como queria Marx, fosse uma escória desprezível (que depois tratou de fuzilar). Para Bakunin, sem a “destruição criadora”, só na base de discursos, manifestações e panfletagem as instituições do governo jamais desabariam.

    Meio século depois, na Universidade da Califórnia, retomando o projeto encampado por Bakunin, Herbert Marcuse, integrante da Escola de Frankfurt, vislumbrou nos “outsiders” – e não mais no proletariado – a vanguarda revolucionária. Para Marcuse, marginais e estudantes, sob o estímulo do sexo, das drogas e do rock n’roll levariam os Estados Unidos à derrota no Vietnam e à ruína da sociedade industrial. Ele próprio um chincheiro de marca, gostava de afirmar que os marginais – os deserdados da sociedade moderna – representavam a “força da negatividade”.

    Hoje, diante das intermináveis ondas de protestos que varrem o País, a “imprensa burguesa”, de um lado, vem aplaudindo as manifestações pacíficas dos que protestam portando cartazes, entoando cânticos e palavras de ordem, ao tempo em que condena a ação virulenta dos vândalos.

    No caso do Brasil, não se vê manifestação pacífica sem quebra-quebra. Na massa heterodoxa que compõe as passeatas há de um, tudo: militantes engajados com o governo central, tais como o MPL, “vândalos” radicais oriundos do próprio PT e partidos de esquerda, desempregados, lupens, estudantes que não estudam nem trabalham, periféricos em geral. Sem a canalha incendiária, a sociedade (ainda que ignore, em transição acelerada para o comunismo) ficaria no ora-veja, subordinada à manipulação do poder.

    O fato auspicioso (e surpreendente) é que em meio a essa massa heterogênea, prevalece nos protestos das ruas, em sua maioria, uma população oriunda da classe média, a se insurgir contra um governo arbitrário que se refina no roubo e na mistificação; um governo com objetivos totalitários, que se apropria de forma indecente da riqueza criada pela força do trabalho para sustentar partidos engajados, centrais sindicais corruptas, movimentos sociais perniciosos (tipo MST e afins), além de manter com benesses a corja da burocracia e legiões de parasitas alocados em estatais e ministérios fajutos. É a safadeza institucionalizada ao alcance de todos!

    Em contraposição, via internet e suas redes sociais – instrumento virtual por enquanto livre do controle do Estado – centenas de milhares de pessoas indignadas encontram fôlego para protestar alto contra os métodos descarados de um governo que tritura a população indefesa.

    No momento, dá-se o seguinte: diante da indignação geral, o irrefreável esquema de poder petista, tendo a terrorista Rousseff como porta-voz, propõe uma “reforma política” por meio de um plebiscito que tem por finalidade única elevar impostos, financiar com dinheiro público campanhas eleitorais, filtrar ideologicamente os candidatos em “listas fechadas” e agachar ainda mais o congresso nacional; em suma, uma reforma há anos defendida por Lula e sequazes com o propósito de estabelecer no País a apregoada “democracia direta”, sinônimo do mais deslavado comunismo.

    De minha parte, entendo que o factível continua sendo apoiar a indignação das ruas, com todos os seus riscos e limitações.

    PS – Milton Nascimento, que fala em javanês e diz coisas que ninguém entende, espera “Que essa movimentação toda (das ruas) não fique só em palavras”. O que quer essa figura enxundiosa? O povaréu enfrentando bombas e balas – e o confuso personagem só deitando falação.

    (*) Ipojuca Pontes, ex-secretário nacional da Cultura, é cineasta, destacado documentarista do cinema nacional, jornalista, escritor, cronista e um dos grandes pensadores brasileiros de todos os tempos.