Polêmica e investimento milionário marcam o retorno do Brasil à Feira do Livro de Frankfurt

(Johannes Eisele - AFP - Getty Images)
Fervura alta – Depois de quase duas décadas, o Brasil volta a ser o país homenageado na maior feira do mercado editorial mundial, a Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha. A partir desta terça-feira (8), o Brasil se apresenta num pavilhão de 2.500 metros quadrados, disposto a levar sua cultura para o mundo e, principalmente, despertar o interesse por autores brasileiros no exterior.

Mas o investimento de quase 19 milhões de reais não escapou de uma polêmica, que ganhou força na imprensa alemã e repercutiu também no Brasil: a seleção dos 70 autores que, ao menos nos planos dos organizadores, vão dar um rosto mais moderno e internacional ao país do samba e do futebol.

A polêmica começou com o jornal alemão “Süddeutsche Zeitung”, que contou apenas um negro – o carioca Paulo Lins – e um indígena – o belenense Daniel Munduruku – na lista dos escritores convidados e questionou se teria havido racismo nos critérios de seleção.

Depois foi a vez de Paulo Coelho, o escritor brasileiro mais conhecido no exterior, criticar os nomes escolhidos e, em protesto, anunciar seu boicote à Feira do Livro de Frankfurt. “Dos 70 convidados, só conheço 20, nunca ouvi falar dos outros 50. São, presumivelmente, amigos dos amigos dos amigos. Um nepotismo. O que mais me aborrece: existe uma nova e excitante cena literária no Brasil. Muitos desses jovens autores não estão na lista”, afirmou Coelho ao jornal “Welt am Sonntag”.

O presidente da Feira de Frankfurt, Jürgen Boos, tentou minimizar as críticas. “Com toda certeza, não houve nenhum racismo”, afirmou. “Temos esta mesma discussão todos os anos. Não tem nada a ver com o Brasil ou com minorias. Quando é feita uma seleção, é natural que alguns fiquem de fora”, observou Boos. Também a ministra da Cultura, Marta Suplicy, defendeu a escolha. “Toda lista tem um recorte que provoca discussão. O critério não foi étnico, mas a qualidade estética e a tradução. A Feira de Frankfurt é comercial”, argumentou.

Investimento milionário

Para a Feira de Frankfurt de 2013 e a programação artística paralela ao evento foram investidos 18,8 milhões de reais. O chamado Projeto Frankfurt é realizado pelo Ministério da Cultura (MinC), o Ministério das Relações Exteriores, a Biblioteca Nacional, a Funarte e a Câmara Brasileira de Livros (CBL).

A presidente da CBL, Karine Pansa, diz que o objetivo central é despertar o interesse por títulos brasileiros no exterior. “O Brasil sempre foi visto como um grande comprador de direitos autorais. Queremos mostrar que também conhecemos o mercado internacional e podemos vender títulos”, aposta. Além de a Feira de Frankfurt ser uma grande oportunidade, por se tratar do maior evento livreiro do mundo, o mercado alemão é “muito respeitado mundialmente”, acrescenta.

Como representante do mercado editorial, a CBL levará 164 editoras a Frankfurt neste ano. Destas, 53 já faziam parte do projeto Brazilian Publishers, uma parceria entre a CBL e a Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) que visa fomentar a exportação de conteúdo editorial. Outras 44 editoras foram capacitadas pelo projeto e participarão da Feira de Frankfurt pela primeira vez.

O coordenador do Projeto Frankfurt 2013 e curador da programação brasileira na cidade, Antônio Martinelli, diz que em 1994, quando o Brasil foi homenageado pela primeira vez, o país ainda sentia necessidade de se afirmar no exterior. “Talvez por esse motivo a programação ainda fosse muito exótica. Agora tentamos fugir disso, mostrando um Brasil mais contemporâneo”, diz.

Ele lembra que o Brasil de hoje é diferente do de 1994. Na época, o fim da ditadura militar e o processo de redemocratização ainda eram recentes. Hoje o Brasil é um dos principais países emergentes e visto em todo o mundo como uma potência em ascensão.

O tradutor do português para o alemão Michael Kegler, que acompanha de perto a participação do Brasil na Feira de Frankfurt e modera debates no evento, também acha que desta vez a feira está mais bem organizada e que “o Brasil tem um interesse maior em se colocar no mundo”.

Arte e literatura

O pavilhão do Brasil na Feira de Frankfurt terá 2.500 metros quadrados, quase oito vezes mais que os 330 metros quadrados do estande de 2012. O espaço será “solar e colorido”, aponta Martinelli, e abrigará uma exposição influenciada pelo Modernismo Brasileiro. A comitiva de 70 autores brasileiros reúne nomes novos e consagrados. Eles vão representar o país em painéis literários e mais de 20 leituras.

Ao longo de 2013, um grupo de 92 autores atua como embaixadores do Brasil na Alemanha, não apenas em Frankfurt, mas também em eventos como a Feira do Livro de Leipzig, já realizada em março, e o Festival Internacional de Literatura de Berlim, que ocorreu em setembro.

No final de agosto, também foi dada a largada à programação cultural brasileira paralela à Feira do Livro em Frankfurt, com shows do rapper Criolo e do cantor Lenine. Uma série de apresentações musicais, de teatro e de dança, assim como exposições, instalações e projetos de performance e videoarte darão um ar brasileiro à cidade até janeiro de 2014.

O curador Martinelli destaca o projeto Puzzle, em que o diretor Felipe Hirsch une teatro e literatura a partir da adaptação de textos de autores brasileiros, como André Sant’Anna e Bernardo Carvalho. De 8 a 13 de outubro, o espetáculo será apresentado em três partes – independentes, porém complementares. “É como um quebra-cabeça. Quanto mais você desvenda as peças, mais compreende e é provocado pelo universo da literatura brasileira contemporânea”, explica Martinelli.

Internacionalização contínua

Mas o Projeto Frankfurt não basta para ampliar e manter o interesse internacional pela literatura brasileira, dizem os organizadores. Para Pansa, uma das falhas após 1994 foi a não continuidade do programa de bolsas de tradução do governo. “Não havia uma cadência fixa de editais. Todos os mercados internacionais bem sucedidos têm esse suporte.”

O programa brasileiro de apoio à tradução e publicação de escritores nacionais no exterior existe desde os anos 1990, mas foi reestruturado em 2011 tendo em vista a Feira de Frankfurt deste ano, com um orçamento de 7,6 milhões de dólares até 2020. Em dois anos, foram concedidas 311 bolsas, mais que o dobro que os 150 concedidos entre 1991 e 2010. Com 63 bolsas, a Alemanha é o país que mais traduziu livros brasileiros desde 2011.

Segundo Fábio Lima, coordenador do programa, um novo edital será lançado para os próximos dois anos. Paralelamente, a Fundação Biblioteca Nacional edita a revista Machado de Assis. Em cinco números, a publicação online e em papel divulgou trechos de autores clássicos e contemporâneos brasileiros em inglês, espanhol e alemão.

Assim como o programa de tradução, a revista terá continuidade após a homenagem ao Brasil na Feira de Frankfurt. Até 2020, o MinC pretende investir 35 milhões de dólares na internacionalização da literatura brasileira, incluindo as bolsas de tradução, programas de intercâmbio de autores e participação em feiras internacionais. “Frankfurt é uma espécie de vitrine internacional”, diz Lima. Pansa espera que a feira seja apenas o início da internacionalização e do reconhecimento da literatura brasileira. (Deutsche Welle)