Luciano do Valle: o microfone silenciou

(*) Ucho Haddad –

ucho_20Se a seleção brasileira está entre as equipes que podem conquistar a Copa do Mundo de futebol – totalmente desnecessária, na minha modesta opinião – a chance do onze verde-louro está muito menor a partir de hoje. Isso porque o Brasil perdeu, em meio ao feriado prolongado em que os cristãos comemoram o renascimento, o narrador esportivo Luciano do Valle.

Sempre à frente do seu tempo, Luciano foi muito mais que um visionário ao inovar em termos de transmissões esportivas. Seu estilo inconfundível e a voz marcante faziam com que aquela bola impossível tomasse a direção do gol mesmo depois de um chute pouco convincente.

Com seu jeito peculiar empurrava a bola no caminho do triunfo, aumentava ou encurtava a distância entre as traves, fazia a bola do vôlei demorar mais a cair, dava o gás a mais que o carro de corrida precisava para chegar à linha final.

Seu entusiasmo pela profissão era tamanho, que até mesmo as bolas da sinuca de Rui Chapéu rendiam-se diante de Luciano do Valle antes de seguir o caminho rumo às caçapas diametralmente posicionadas na mesa de feltro verde. Luciano criou tantas figuras na locução esportiva que é difícil listá-las em tão pouco espaço, mas não se pode esquecer o saque viagem ao fundo do mar. Foi com essa invenção, que fazia o torcedor se ajeitar no sofá, que o vôlei brasileiro conseguiu tantas vitórias e glórias. Luciano foi o divisor de águas do vôlei nacional.

Com Luciano a bola era mais redonda, o gol era mais gol. A vitória era mais vitória, a derrota ficava menos amarga. A conquista tornava-se o maior de todos os eventos. O caminho até o pódio tinha menos pedras, na verdade tinha algo a mais. O inusitado criativo. Até os sopapos de Maguila foram mais certeiros no embalo da locução de Luciano do Valle.

O Brasil perde não apenas uma das principais vozes do esporte nacional, mas o brilho que Luciano carregava nos olhos e derramava sistematicamente sobre o microfone. Sai de cena um defensor do esporte nacional, a quem a aprendi a respeitar e admirar.

Na seara futebolística, Luciano tornou-se meu “adversário”, pois enquanto ele, com seu incontestável talento, empurrava a seleção brasileira em todas as ocasiões, eu, debaixo da minha coerência teimosa, sempre torci contra. Uma questão de visões distintas sobre um mesmo fato, mas também e principalmente de sobrevivência. E nesse quesito, o da sobrevivência, Luciano foi um mestre de cerimônias em todos os instantes da vida. Foi a partir de 1982, na Copa da Espanha, que aprendi a admirar Luciano e a divergir do profissional que com invejável intimidade convivia com o microfone, que agora se calou.

Hoje o céu está em festa. Entrará em reforma nos próximos dias, pois Luciano certamente há de convencer o dono do pedaço a inovar, a arriscar. Valeu pelo exemplo, Luciano, valeu pelo legado. Descanse em paz, ciente de que cá embaixo, sem você, o gol será menos gol, o grito de vitória perderá força, o pódio estará menor.

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, cronista esportivo, escritor e poeta.