A lei do chifre livre

(*) Carlos Brickmann –

carlos_brickmann_16Como dizia Tancredo Neves, voto secreto é um perigo: dá uma vontade enorme de trair. Isso nos tempos de Tancredo. Hoje, com a subida de Marina, a traição é aberta, dispensa o sigilo. E a maior vítima é justo o neto de Tancredo.

Até o coordenador da campanha de Aécio, senador Agripino Maia, já jogou a toalha e propõe o apoio a Marina no segundo turno. O governador tucano de Goiás, Marconi Perillo, favorito para a reeleição, é tão ligado a Aécio que nem se sente obrigado a confirmar essa amizade fazendo campanha. Em São Paulo, Alckmin e Serra, favoritos para o Governo e o Senado, são Aécio desde criancinhas. Lamentarão, tristonhos, a derrota de seu candidato. Tucano tem memória longa: os dois lembram do empenho de Aécio quando foram candidatos à Presidência, e o retribuem. Até em Minas, onde Aécio é rei, o PR liberou seus 18 prefeitos para apoiar o petista Fernando Pimentel, líder nas pesquisas contra o tucano Pimenta da Veiga. E em Minas a situação era especial: o PR nacional está com Dilma, mas os mineiros tinham acordo com Aécio e Pimenta da Veiga. A decolagem de Marina mudou tudo: agora, o PR volta a ser fiel, com Dilma, ou trai o governismo, com o PT para governador e Marina para a Presidência.

Aécio é a maior vítima, mas não a única. No Rio, os petistas de Lindbergh Farias e os peemedebistas de Pezão migram para Garotinho, do PR (que diz que está com Dilma). No Paraná, falta pouco para a petista Gleisi Hoffmann ter de carregar as próprias malas.

Em eleições, quem não recebe votos ganha chifres.

Tentando reagir

Há sucessivas reuniões tucanas estudando uma eventual reação de Aécio Neves (desde 2002, esta é a primeira eleição em que o PSDB pode ficar fora do segundo turno). As pesquisas abalaram Aécio, que acabou indo mal no debate SBT-Folha-Jovem Pan; e ainda não se sabe o que tentará fazer para recuperar-se.

Há quem tema o pior: que, além de ficar fora da disputa, Aécio perca também em Minas, onde o petista Fernando Pimentel lidera com folga contra Pimenta da Veiga. Nesse caso, o PT teria abrigo em Minas para os companheiros, hoje regiamente pagos, eventualmente desalojados do poder federal (a ministra Miriam Belchior, por exemplo, além dos salários, ganha R$ 19 mil para participar de uma reunião por mês no Conselho da Petrobras). Alguns sugerem que Aécio esqueça o Brasil e se concentre em Minas, para garantir pelo menos sua base.

Medo pela culatra

A campanha contra Marina vai dar efeito contrário, tal a prepotência dos adversários. Por que o país não pode ter um governante que acredita que o mundo foi criado em sete dias? Se isso não influir no caráter laico do Estado, qual o problema? Lembra os EUA, antes de Kennedy, quando se achava que eleger um católico minaria as bases do país. Ou o Califado Islâmico, que exige obediência total às leis muçulmanas. Compará-la a Collor? A Jânio? Por que não a Itamar, que também não tinha base partidária e mudou o Brasil? Ameaçá-la com um golpe, como o governador cearense Cid Gomes? Ele diz que não lhe dá dois anos de Governo: “será deposta”.

Com adversários assim, Marina vira ídolo.

O foguete

Marina tem raiz no PT, foi devota de Lula e sua ministra, fez barbeiragens em nome do radicalismo ambientalista. Sua ascensão não pode ser explicada só pelo carisma (que existe) nem pela comoção (real) do acidente que matou Eduardo Campos. O fenômeno Marina tem a ver com a novidade de uma candidata que não escorrega na numeralha que nada significa (“fiz 85 mil hospitais, 120 milhões de km de estradas”, etc.) e com algo que atinge cada um de nós: a economia.

A inflação há anos beira o teto, os aposentados têm aumentos incapazes de acompanhar os preços e inferiores aos dos assalariados da ativa. Pela 14ª vez consecutiva, o relatório Focus, do Banco Central, reduziu a perspectiva de crescimento em 2014. As contas externas vão mal, com o pior saldo desde agosto de 2001.

Ninguém come contas externas, mas o mal-estar dá para sentir.

Preções

E, enquanto o caro leitor enfrenta problemas para pagar as contas, o custo desta campanha eleitoral ultrapassa R$ 71 bilhões, conforme levantamento da revista Congresso em Foco. São pouco menos de 25 mil candidatos; e os gastos são 30% maiores que o da campanha anterior, com praticamente o mesmo número de disputantes.

Traduzindo: preços mais altos, mais disposição para gastar.

O preço da Justiça

Com o aumento pedido pelo Supremo Tribunal Federal, cada ministro brasileiro receberá praticamente os mesmos vencimentos da Suprema Corte americana. Com três diferenças: a população americana é 50% maior que a brasileira, o país é bem mais rico e o pagamento ao ministro é tudo o que ele recebe. No Judiciário americano, só há carro oficial para uma pessoa: o presidente da Suprema Corte. Todos os demais ministros, desembargadores, juízes, cuidam do próprio transporte. No Brasil, a partir dos tribunais de Justiça, todos os desembargadores e juízes têm carro, motorista, gasolina, manutenção, seguros, tudo por conta do Estado generoso e rico. Só em São Paulo há cerca de 400 desembargadores.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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