Bicicletas, Construtivismo e… Aberrações

(*) Lígia Fleury –

ligia_fleury_04No início da década de 90, houve uma “epidemia” de escolas infantis. Bastava virar uma esquina e pronto! Lá estava uma delas, muito provavelmente fruto da era do Construtivismo sob uma ótica errônea e deturpada. Os responsáveis por ensinar basearam-se em um suposto pensamento que, para eles, definia a teoria: “o aluno constrói o próprio conhecimento”.

Fico pensando na reação do grande Piaget, um Epistemólogo suíço, morto em 1980, se pudesse conhecer os absurdos que aqui se instalaram pela falta de conhecimento daqueles que, acreditando conhecer sua teoria – jamais um método -, ousaram fazer com a aprendizagem dos alunos.

Foram tempos em que estes acreditavam que não deveriam intervir nas ações dos que aprendiam, pois cada um tem seu próprio ritmo e no momento certo haveria um “click” e, como uma mágica, a aprendizagem se concretizaria. Salvo raras exceções de grandes educadores, abençoados educadores, que realmente se aprofundaram nessa teoria , estudando e abrindo novas perspectivas, todas sólidas, a maioria se apropriou do quase slogan “construir o próprio conhecimento” , colaborando, ativamente,para grandes crateras na aprendizagem de uma geração inteira.

Abriu o leitor, por acaso, os jornais de São Paulo das últimas semanas? Sugiro que o faça, para que possa ver o caos instalado na cidade pela invasão das ciclofaixas.

Ôpa! Ciclofaixa e Construtivismo no mesmo artigo? Algo errado? Em absoluto. A aberração em comum é a alta capacidade de muitos seres (im)pensantes de acreditar que o que dá certo em outra cultura, é garantia total em outra. Hoje, vira-se uma esquina de São Paulo e depara-se com uma ciclofaixa desenhada na pista onde, um dia antes, motoristas estacionavam seus carros.

Viajaram, leram, ouviram que a bicicleta é um meio de transporte saudável, econômico, que resolve a questão da poluição e do trânsito e, como em um passe de mágica, pintam a cada noite, novas ruas.

Ninguém se preocupou em educar pedestres, ciclistas e motoristas para essa novidade. Em um país onde o motorista e o pedestre não respeitam o ir e vir um do outro, em que bêbados continuam dirigindo e matando inocentes, onde o povo em uma porcentagem expressiva é analfabeto funcional, pintar faixas na calada da noite é plantar a discórdia e a baderna para uma população que sequer tem tempo no dia a dia para se ater aos próprios infortúnios.

Nos países em que a bicicleta cumpre seu papel de transporte sustentável, o povo frequenta escolas e hospitais públicos, recebe Educação, compreende a importância das leis e das normas com atitudes simples como jogar lixo no lixo ou respeitar a faixa de pedestres.

Sou ciclista, pedalo bastante e faria da bicicleta minha opção de transporte, não fosse São Paulo uma metrópole com motoristas alucinados, ladeiras sem semáforos, onde ninguém sabe de quem é a preferencial – do ciclista, do carro ou do pedestre.

Não se muda uma cultura impondo novas regras sem que os cidadãos tenham sido educados para tal.

Há que se limpar os rios para que não os sujemos mais; há que se conhecer e praticar as normas de convivência para que possamos criar novas possibilidades. O Construtivismo é a maior riqueza que a Educação ganhou do grande Piaget; a bicicleta pode ser a grande alternativa para o trânsito paulistano.

Mas sem que haja um planejamento, um estudo regional que aponte o estilo de vida dos cidadãos, com certeza, mais uma vez, estaremos correndo atrás de prejuízos. Quando aprenderemos que planejar é a solução? Não se transforma uma cultura na calada da noite…

(*) Lígia Fleury é psicopedagoga, palestrante, assessora pedagógica educacional, colunista em jornais de Santa Catarina e autora do blog educacaolharcomligiafleury.blogspot.com.

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