De olhos abertamente fechados

(*) Carlos Brickmann –

carlos_brickmann_16Uma multidão imensa protesta contra o Governo. Os governistas explicam: são os milionários. Mas tanto milionário assim? Não, claro que não: as senhoras estão levando a criadagem, os maridos obrigam os funcionários de suas empresas a comparecer. Mas, politicamente, isso não tem o menor significado: no fundo, é só a elite endinheirada paulista. Os governistas fingem que não veem.

Este diálogo é real e ocorreu durante as manifestações contra o Governo, num clima de terrível tensão. Muito temor: intervenção de forças estrangeiras, milícias de agricultores exigindo terras, corrupção, civis pedindo intervenção militar, ameaças de golpe oposicionista, ameaças de golpe governista. Data: 1964.

O panelaço contra Dilma foi imenso. Os governistas dizem que foram os milionários, a elite endinheirada paulista; que a criadagem teve de buscar as panelas Le Creuset, que foram todos para suas elegantes varandas gourmet em bairros nobres fazer o panelaço. Os fatos, pior para os fatos: Ricardo Kotscho, lulista desde quando não era chic ser lulista, secretário de Comunicação do Governo Lula, petista até seus últimos e raros fios de cabelo, diz que no Jardim João 23, periferia extrema de São Paulo, houve o mesmo panelaço que na cidade inteira. E houve também em outras cidades, em todo o país.

Mas é engraçado falar em Revolução Cashmere. É mais fácil do que pensar. É melhor fingir que não veem. A crise se agrava e há quem finja que não há crise. Sem acordo – e logo – o velho filme de horror pode ser reprisado.

Aquele em que, no fim, a gente morre.

As razões da razão

Fernando Henrique, o mais lúcido dos tucanos, revoltou os antipetistas por se opor ao impeachment. Fernando Henrique sabe o que fala: o PT ainda tem força, mobilização, recursos para reagir. Se Dilma for afastada, por mais legal que seja o processo, vira vítima. E, na eleição para a escolha de seu sucessor, quem será o candidato mais conhecido, capaz de se transformar no vingador da vítima? O próprio Lula. Afastar Dilma para entronizar Lula? E se, em outra interpretação da lei, a decisão for seguir a linha sucessória, sem eleições? Sobe o PMDB – o vice Temer, ou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, ou o presidente do Senado, Renan Calheiros. Tirar Dilma, com todos os seus defeitos, para colocar um dos três, que alia às conhecidas características do PMDB a habilidade política?

Fernando Henrique pode ser atacado por vários motivos. Mas burro é que não é.

Lula e sua ouvinta

Dilma foi panelada no domingo, vaiada na terça por operários endinheirados da elite paulista que trabalhavam nos preparativos da abertura do Salão da Construção (deve ter sido a turma do andaime-gourmet), domingo enfrenta marchas em que é a personagem principal – mais ou menos no papel de Felipão depois da Copa. Fez o que tinha de fazer: chamou papai. Prometeu-lhe tudo, até deixar de ser desobedienta.

É difícil: Lula gostaria de vê-la livre de Mercadante, de quem ela gosta, por ser bravo da porta para fora e muito bonzinho da porta para dentro. E de Pepe Vargas, a quem Lula só não detesta tanto quanto a Mercadante porque nem sabe direito quem é. Lula, que é Lula, é afável no trato com os adversários; Dilma, que está longe de ser Lula, é prepotenta. Tratou mal até o próprio Lula, ao afastar do Governo as pessoas mais ligadas a ele, como Gilberto Carvalho. Mas, por melhores que sejam os conselhos de Lula, será possível desarmar os ânimos até domingo? Ou a solução continuará sendo tumultuar tudo com os black-blocs?

Lei de Murphy

Quando algo vai mal, tudo vai mal. Diga, caro leitor: quem é o ministro da Fazenda? Errou! Diz um documento oficial de 10 de março de 2015, do Ministério da Fazenda: “Agenda do Ministro Mantega do dia 10.03.2015”.

Muda!

Dilma achou um voluntário para ocupar uma das cadeiras mais difíceis do Governo: Murilo Ferreira, presidente da Vale, executivo profissional bem sucedido e com nome no mercado, será também presidente do Conselho da Petrobras. Acumula os cargos; e melhor que o antecessor, Guido Mantega, certamente será.

Somando trocados

Já existe também um bom lugar para reforçar a renda de Al Bendine, que tinha só o salário de presidente da Petrobras, R$ 160 mil, e a aposentadoria de R$ 62,4 mil mensais.

Entra no Conselho da Braskem, da qual a Petrobras é sócia.

Caminho traçado

Uma grande empresa chinesa de engenharia negocia a compra do controle de uma das empreiteiras acusadas na Operação Lava-Jato. Os principais obstáculos, por enquanto, não estão na negociação propriamente dita, mas em detalhes da operação após a compra. Os novos proprietários gostariam, por exemplo, de trazer operários da China; e têm restrições à legislação trabalhista brasileira.

As coincidências

Este colunista não acredita em coincidências. Mas que existem, existem. Logo que estourou o caso do juiz que usava o Porsche de Eike Batista, saiu um anúncio enorme de uma revendedora Mercedes, no Rio, com o desenho de um top de linha e o título: “Como dar uma voltinha num carrão que ainda não é seu”.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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