O grande mudo está falando

(*) Carlos Brickmann

carlos_brickmann_10Certas coisas da maior importância estão passando despercebidas. Há alguns dias, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, disse que a situação política, ética e econômica do país é preocupante e pode descambar para uma crise social. Nenhuma novidade: até um otimista incurável acha a mesma coisa. Só que este otimista incurável não tem comando de tropa; nem acha, como o general, que esta crise pode dizer respeito às Forças Armadas. O general completou dizendo que o Brasil mantém em funcionamento as instituições democráticas, que a sociedade não precisa ser tutelada – mas o recado já tinha sido transmitido.

Mais? No rigoroso cumprimento da lei, o general Eduardo Villas Bôas cassou as condecorações militares dos mensaleiros condenados pelo Supremo. Valdemar Costa Neto, José Genoíno e Roberto Jefferson perderam o direito à Medalha do Pacificador, a mais alta condecoração do Exército, por condenação, transitada em julgado, de crime contra o Tesouro. Está na lei (e, no exercício de suas atribuições, o general Villas Bôas não poderia deixar de cumpri-la). Mas seu antecessor no cargo, o general Enzo Peri, passou os últimos três anos fingindo que cassar as condecorações não era sua obrigação. Sem alarde, o general Villas Bôas fez o que devia (até com Genoíno, que os governistas chamavam de Guerreiro do Povo Brasileiro) e retirou seus nomes do Almanaque do Exército.

É bom levar em conta que o Exército brasileiro é conhecido há muitos anos como O Grande Mudo. Quando os mudos falam, é bom ouvi-los com atenção.

Os lá de cima

O comandante do Exército disse o que disse sem consultar seu superior hierárquico direto, o ministro da Defesa, Aldo Rebelo (embora o chame, em vídeo, de “amigo”, e garanta que não poderia haver escolha melhor).

Não consultou a superiora hierárquica de Rebelo, a presidente Dilma Rousseff. Nem o superior hierárquico da presidente Dilma, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Tanto mar

Formalmente, Lula não é superior hierárquico de Dilma. Poderia ser chamado de seu espírito santo de orelha. Mas, em virtude de certos fatos ocorridos no além-mar, atribuir-lhe este nome poderia levar a falsas interpretações.

O x do problema

A oposição prometeu ficar ao lado de Eduardo Cunha. O Governo prometeu livrá-lo da Comissão de Ética e mantê-lo na Presidência da Câmara. Mas Governo e oposição esqueceram de avisar os suíços, que cismaram de mandar para cá tudo quanto é indício de propina e lavagem, e os procuradores brasileiros, que ficam apurando coisas inconvenientes – como as denúncias de dois bons pixulecos, um de US$ 5 milhões, outro de US$ 34 milhões. O ministro Teori Zavascki decidiu abrir inquérito sobre eventuais contas secretas de Cunha na Suíça.

Só falta lembrar que Cunha, que cresceu com Collor, copiou-lhe alguns hábitos. Tem oito carros, sendo dois Porsches Cayenne, um BMW e cinco SUVs.

O y do problema

Se a Operação Lava Jato insistir em investigar a filha de Cunha e sua esposa, Cláudia Cruz, o deputado pode deixar o fígado passar à frente do cérebro.

Lembrando PC Farias

No início da crise que levaria ao impeachment de Collor, seu primeiro-amigo e tesoureiro de fé, PC Farias, mandou-lhe um recado: “Madame está gastando muito”. Madame era a esposa de Collor. O recado vale agora para Cláudia Cruz, apontada como responsável por gastos de US$ 60 mil só numa academia americana de tênis (no total, mais de um milhão de dólares saiu de seus dois cartões).

Enquanto Cunha se movimenta para sair da crise, Cláudia Cruz almoçava nesta sexta no ultracaríssimo restaurante Fasano, do Rio, com cinco amigos. Um era Gonçalo Torrealba, do Grupo Libra, um dos maiores operadores portuários do país. O PMDB, partido de Cunha, é há anos quem comanda os portos brasileiros.

Verão quentíssimo

Sim, os termômetros estão marcando altas temperaturas, mas tudo pode esquentar ainda mais. Pela primeira vez, a família do ex-presidente Lula é citada em delações premiadas. Dois filhos e uma nora foram delatados. Lula vai reagir; e, mais ainda, reagirão aqueles lulistas para quem seu ídolo é intocável. E já há duas manifestações pró-impeachment, em São Paulo, marcadas para este fim de semana: uma no domingo, às 19h, saindo do MASP, avenida Paulista, e uma na segunda, às 18h, saindo do Largo da Batata, ao lado da avenida Faria Lima.

Vai dar samba? De qualquer modo, será um termômetro da temperatura popular.

Não para, não para

Enquanto se discute a sobrevivência de Cunha e o impeachment de Dilma, a vida continua. Clemeson José Pinheiro, secretário-executivo do Ministério da Pesca (recém-extinto), foi preso por suspeita de envolvimento em organização criminosa no Ministério e no Ibama.

Até há poucos dias, o ministro da Pesca era o deputado federal Hélder Barbalho, do PMDB paraense, filho de Jader e Elcione Barbalho – aqueles dos ranários sem rãs, mas com bons financiamentos federais.

Cadê o ministro? Já mudou de emprego: está agora na Secretaria dos Portos.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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