Quem quer ser jornalista?

(*) Héctor Tobar –

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Apesar das adversidades e riscos, interesse por informações jamais deixará de existir

O emprego dos sonhos de Jonathan Bach, jovem do Estado americano de Oregon, é numa profissão detestada por muitos, que oferece compensação miserável e costuma ser perigosa. Muitos dizem a ele que a atividade está fadada a se tornar obsoleta. Nada disso parece importar. Ele ainda quer ser jornalista.

Em meados deste ano, Bach sentiu pela primeira vez o gosto do trabalho de reportagem diária para os jornais, no East Oregonian, publicação com sede em Pendleton. Ele cobriu rodeios, tribos de índios americanos e a abertura de um novo bar chamado Strip’n Chute. Escreveu bastante e escreveu rápido – em troca de um salário mínimo.

“É o melhor emprego do mundo”, disse ele, com toda a animação que seria de se esperar de um formando de 21 anos.

Para ingressar no jornalismo hoje em dia é necessário ter fé. Se conseguir encontrar um emprego no escalão mais baixo – e as redações tiveram seu pessoal reduzido em 10% no ano passado – será provavelmente necessário fazer um voto de pobreza digno de um monge. Mesmo na televisão, um repórter jornalístico chega a ganhar apenas US$ 18 mil por ano.

Na polarizada sociedade americana, a confiança do público na mídia está no ponto mais baixo já observado, de acordo com uma recente pesquisa de opinião do instituto Gallup. Em todo o espectro político, alguns nos acusam de difundir insidiosos ideais liberais, enquanto outros nos chamam de lacaios de uma conspiração da direita corporativa. Pior ainda, as pessoas nos consideram babacas sem coração capazes de fazer um menininho chorar ou de chutar um imigrante “em busca da matéria”.

A verdade é que os melhores jornalistas formam um elo com os leitores, ouvintes e espectadores ao terem a mente aberta e demonstrarem compaixão. Esse é um dos motivos pelos quais tantos permanecem na profissão, apesar da remuneração ruim e das longas jornadas. Como Bach aprendeu em pautas como entrevistar um voluntário de rodeio, empatia é uma parte fundamental do trabalho.

“Temos a oportunidade de compartilhar histórias e ver as coisas através dos olhos de outras pessoas todos os dias”, disse ele.

Alento. Digo aos jovens repórteres a quem ensino na Universidade do Oregon para ignorarem a atmosfera sombria que envolve a profissão e seu futuro. O público sempre terá apetite por histórias verdadeiras e bem contadas.

E as pessoas jamais deixarão de necessitar de informações essenciais, transmitidas com rapidez e precisão. No início do mês, quando um atirador abriu fogo numa universidade comunitária em Roseburg, cerca de 120 quilômetros ao sul de Eugene, vários veículos de mídia entraram em contato com o departamento de jornalismo da nossa universidade e perguntaram: conhecem algum jovem repórter ou fotógrafo freelancer que possamos contratar? Imediatamente?

Cameron Shultz, estudante de pós-graduação que foi contratado pelas redes nacionais de TV e emissoras locais, levou sua câmera e capturou imagens evocativas num centro de acolhida e numa vigília com velas.

Tragédia. Tentamos ensinar aos nossos estudantes que até a mais simples das reportagens exige disciplina e habilidade. Pensemos no exemplo recente de Alison Parker, 24 anos, repórter de uma emissora de TV da Virgínia. Como Bach, ela começou a carreira como estagiária. Sua última reportagem foi a respeito de Smith Mountain Lake, um marco geográfico local.

O vídeo que o assassino de Alison publicou da morte dela revela que o criminoso estava apontando uma arma para ela, no campo de visão da vítima, durante pelo menos 10 segundos antes de abrir fogo. Alison estava entrevistando a diretora da câmara de comércio local. Estava demasiadamente concentrada em fazer seu trabalho bem feito para perceber que sua vida estava em risco.

“Quando trabalhamos na televisão, perdemos um pouco de nós mesmos”, disse Rebecca Force, repórter veterana da TV e diretora que hoje é professora na Universidade de Oregon. Quando o repórter entra no ar ao vivo, como foi o caso de Alison, “estamos no momento. Temos pouco tempo. Estamos no ar. É impossível voltar atrás e gravar outra vez. Temos apenas aquela tomada”, disse Rebecca.

Alison e o cinegrafista, Adam Ward, morreram fazendo o tipo de reportagem corriqueira, de interesse claramente local, que faz parte do trabalho de operações jornalísticas em todos os lugares. Ela segurava o microfone com firmeza enquanto a entrevistada dizia “essa é nossa comunidade e queremos compartilhar informações que vão nos ajudar a crescer e a nos desenvolver”.

Combustível. Jovens jornalistas funcionam à base de uma estranha mistura de adrenalina e idealismo. Eles anseiam pela euforia de vencer o prazo de fechamento, ou de dominar o medo do palco numa transmissão ao vivo. E acreditam que, se conquistarem essas habilidades, farão contribuições importantes para suas comunidades.

“Não acho que uma fotografia possa mudar o mundo, mas trata-se de um registro de onde estamos”, disse o jornalista mexicano Rubén Espinosa em uma de suas últimas entrevistas antes de ser morto na Cidade do México, em julho. Ele cobria o drama que se desenrola no estado mexicano de Veracruz: corrupção oficial, crime organizado violento, desaparecimentos, protestos e resistência.

O trabalho de Espinosa rendeu a ele três ameaças de morte e a inimizade de pessoas poderosas em Veracruz.

Muitos jornalistas americanos trabalhando no exterior enfrentaram perigos semelhantes por parte daqueles que gostariam de silenciá-los – incluindo James Foley, estudante de pós-graduação da Faculdade de Jornalismo Medill, da Universidade Northwestern.

“Ele deu sua vida para expor ao mundo o sofrimento do povo sírio”, disse a mãe de Foley, depois que ele foi morto, decapitado, por seus sequestradores extremistas do Estado Islâmico na Síria no ano passado.

Futuro. Quando menino, crescendo em Bend, Oregon, Jonathan Bach sonhava em se tornar correspondente no exterior. Dormia ouvindo reportagens da BBC no rádio a respeito de terras distantes. Índia. Paquistão. Rússia.

Sua meta agora é escrever reportagens sobre o Leste Europeu. Além de estudar jornalismo, está em seu terceiro ano de aulas de russo. E já esteve na Ucrânia e no Azerbaijão para testar suas habilidades como repórter freelancer.

“Não há nada como chegar para passar uma semana num país, fazer a reportagem e conseguir que seja publicada”, disse ele.

Bach também esteve entre os estudantes da Universidade de Oregon incumbidos de cobrir a tragédia de Roseburg. Para o site Daily Beast, ele entrevistou amigos de um professor de inglês morto no episódio e uma estudante de enfermagem que subitamente viu sua sala de aula transformada em sala de emergência.

Tenho certeza de que Bach se comportou profissionalmente durante essa pauta. E lembrou-se do que os professores ensinaram a ele e aos colegas quando os mandamos cobrir pautas no câmpus da universidade, na prefeitura ou nas feiras locais: seja respeitoso com aqueles que entrevista. Verifique duas vezes como cada nome deve ser soletrado. E sempre entregue o material antes do prazo do fechamento.

(*) Héctor Tobar é colunista – Artigo publicado originalmente no “The New York Times” (tradução de Augusto Calil para “O Estado de São Paulo”).

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