Vatileaks 2: papa Francisco enfrenta dura resistência à reforma do Vaticano e é surpreendido por escândalo

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Publicados nesta quarta-feira (4), na Itália, dois livros prometem tirar o sono dos inquilinos e frequentadores do Vaticano. As obras – “Avareza”, de Emiliano Fittipaldi do jornal “L’Espresso”, e “Mercadores no Templo”, de Gianluigi Nuzzi da “Mediaset” – revelam os escabrosos e costumeiros escândalos financeiros da Santa Sé, além da forte oposição interna enfrentada pelo papa Francisco por causa das reformas administrativas.

Os livros de Fittipaldi e Nuzzi retratam os bastidores de um Vaticano assolado por má gestão, ganância e corrupção, onde o papa tem de lidar com a resistência e o banditismo da velha guarda da Igreja Católica, que repudia a agenda de reformas do religioso argentino.

De acordo com a agência de notícias Reuters, os livros revelam novos documentos, na esteira dos que vieram a público por ocasião do “Vatileaks”, escândalo de 2012 que precedeu a surpreendente renúncia de Joseph Ratzinger, o papa Bento XVI em 2013.

O novo escândalo, já batizado como “Vatileaks 2”, relata a subtração e vazamento de documentos confidenciais, muitos dos quais sobre desvio de fundos destinados aos pobres e doentes, dinheiro que acabou custeando a vida luxuosa e bandida de alguns cardeais que tem força na sede do Catolicismo.

Entre os escândalos relatados nos livros está o caso do desvio de 400 milhões de euros do “Óbolo de São Pedro”, com doações provenientes de todo o planeta, para a Cúria Romana, ou seja, para a gestão da máquina administrativa do Vaticano.

Os autores citam e-mails, atas de reuniões, conversas privadas gravadas e notas que demonstram o excesso de burocracia, a má gestão, o desperdício e despesas milionárias com alugueres.

Após as novas e contundentes revelações, em especial os desfalques milionários no fundo destinados a pobres e doentes, o substituto na secretaria de Estado revelou as palavras de Jorge Bergoglio: “Sigamos em frente com confiança e determinação”.

O papa Francisco está “determinado” em avançar com as reformas na Cúria romana após a divulgação de novos documentos que revelam deslizes financeiros no Vaticano, assegurou nesta quarta-feira o número três da Santa Sé, o arcebispo Angelo Becciu, informa agência France Presse.

Cla-re-za

Um dos destaques do livro de Gianluigi Nuzzi, “Mercadores no Templo”, é a transcrição de uma gravação do papa durante reunião em julho de 2013 – quatro meses após sua eleição – na qual Francisco critica altos oficiais do Vaticano por causa da falta de transparência nas finanças.

“Temos que esclarecer melhor as finanças da Santa Sé e torná-las mais transparentes”, disse o Sumo Pontífice, de acordo com a transcrição da gravação citada no livro, que o autor diz ter sido feita secretamente por alguém que participou do encontro.

“Cla-re-za. Isso é o que é feito nas empresas mais humildes, e temos de fazer também”, completou o papa. De acordo com o livro, Francisco acrescentou que “não é exagero dizer que a maioria dos nossos custos está fora de controle”.

Nuzzi ganhou notoriedade em 2012 com o livro “Sua Santidade”, escrito em grande parte com base em documentos revelados pelo mordomo do papa Bento XVI, Paolo Gabriele, que roubou o material da mesa do Sumo Pontífice. Gabriele foi punido com prisão, mas acabou sendo libertado diante da ameaça de revelar mais detalhes da bandalheira institucionalizada que existe no Vaticano desde priscas eras.

Esse escândalo, que levou à detenção e prisão do mordomo, ficou conhecido como “Vatileaks” e acredita-se que o alvoroço que causou tenha, em parte, motivado a decisão do Papa Bento XVI de renunciar no ano seguinte.

Papa está “bastante sozinho”

Emiliano Fittipaldi, autor de “Avareza” confessou na terça-feira que o Papa está bastante sozinho em relação ao plano de reformas na Igreja Católica.

“Espero que este livro mostre a todos que reformas é necessário fazer na Igreja, não só reformas estruturais ou a criação um novo dicastério (tribunal), mas o caminho para a verdadeira transparência”.

“A Igreja Universal tem um compromisso moral e ético, sobretudo para com os crentes, mas também para os não-crentes e agnósticos. Espero que o Papa Francisco consiga. Devo dizer que está bastante sozinho”, acrescentou o autor.

No livro, Fittipaldi afirma que nos processos de canonização cobra-se uma quantia em dinheiro dos familiares dos candidatos a beatos ou santos.

“Há alguns casos em que os parentes das pessoas que foram mortas e que estão à espera de ser beatificados ou canonizados podem pagar até 200.000, 300.000 ou 400.000 euros”, declarou.

O jornalista destacou que, em 2010, a maior parte do dinheiro recolhido pelo Óbolo de São Pedro, instituição que gere as obras de caridade do papa, foi destinada a “gastos ordinários e extraordinários de decastérios e instituições da Cúria Romana” e não aos mais necessitados.

Emiliano Fittipaldi mostrou-se surpreendido por ter descoberto que esse fundo de beneficência tinha, no final do ano de 2010, cerca de 378 milhões de euros, que deveriam ter sido aplicados.

“Quando descubro que estes fundos não estão sendo utilizados em obras de beneficência, mas em outros fins, a coisa surpreende-me ainda mais”, concluiu.

Bomba sexy do Vaticano

Italiana de origem marroquina, a relações púbicas Francesca Immacolata Chaouqui foi presa há dias sob a acusação de subtrair e vazar informações sigilosas da Santa Sé. Chaouqui, que mescla sua suposta fé com o mundanismo da vida moderna, com direito a nudes na rede mundial de computadores, integra, juntamente com outros seis membros, a comissão instituída em julho passado pelo papa Francisco para promover uma profunda assepsia nas finanças do Vaticano.

Francesca Chaouqui, 32 anos, nascida na Calábria, foi arrastada para o olho do furacão que sacode a Santa Sé por causa de algumas postagens no Twitter a ela creditadas. Sempre provocativa e fazendo um estilo selvagem e despojado, Chaouqui é um mistério até mesmo para os experientes e corruptos cardeais que frequentam os intramuros da Praça São Pedro.

A jovem é acusada de postar na internet mensagens explosivas, como a de que Bento XVI sofre de leucemia, de que o cardeal Tarcísio Bertone é corrupto e de que o ministro Giulio Tremonti teve a conta encerrada no Banco do Vaticano por ser gay. Inquirida sobre os temas, Francesca negou a autoria das postagens, devidamente apagadas depois que o escândalo ganhou a imprensa.

Obcecada por mistérios indecifráveis, Francesca Chaouqui teria revelado a amigos íntimos seus contatos nos serviços secretos e na maçonaria. Por conta desse comportamento, foi alvo de comentários sem comprovação, como o de uma relação mais íntima com o ex-primeiro-ministro italiano Giulio Andreotti (morto em 2013), de integrar a Opus Dei (corrente radical da Igreja Católica) e de ser um dos corvos que fazem sumir documentos no Vaticano.

Não há prova de que Chaouqui integre a Opus Dei, mas ela é fã dos pensamentos de Josemaría Escrivá, fundador da organização, e é influenciada pelo monsenhor espanhol Lucio Vallejo Balda, integrantes da facção religiosa e também preso. Se tais acusações contra Francesca Chaouqui são verdadeiras não se sabe, mas todos esses ingredientes putrefatos fazem parte da receita cotidiana da Santa Sé.

Cautela franciscana

Quando, após eleito Sumo Pontífice, decidiu promover uma faxina nas finanças do Vaticano, o argentino Jorge Mario Bergoglio sabia que a empreitada seria árdua e extramente perigosa. Até porque outros papas, João Paulo I (Albino Luciani) e João Paulo II (Karol Wojtyla), tentaram o mesmo e se deram mal. Luciani foi assassinado por envenenamento 33 dias após assumir a Santa Sé, ao passo que Wojtyla foi alvo de um atentado levado a efeito pelo turco Mehmet ali Agca.

Bergoglio conhece bem os bastidores do Vaticano e sabe com que está lidando, mas não desiste de seu projeto de promover uma profunda faxina no principal endereço da Igreja Católica. Não por acaso, ciente dos riscos que corre e conhecendo as histórias de Luciani e Wojtyla, o papa Francisco decidiu continuar morando na Casa Santa Marta, onde faz a sua própria cama, recusando os confortáveis aposentos papais do Vaticano.

De igual modo, o papa Francisco também recusa a comida servida na Santa Sé. Diariamente ele se alimenta na Casa Santa Marta, onde divida a mesa com os funcionários locais, que têm à disposição um bufê, no melhor estilo “bandejão”. Essa foi a forma encontrada pelo pontífice para se proteger de eventuais tentativas de envenenamento, como aconteceu com Albino Luciani, o papa João Paulo I.

Corrupção e crimes atrás dos muros

O Estado paralelo e criminoso que existe na Praça São Pedro ganhou força quando Licio Gelli, que foi próximo de Benito Mussolini, se juntou ao então arcebispo Paul Marcinkus e a Roberto Calvi, que presidia o Banco Ambrosiano e ficou conhecido como o “banqueiro de Deus”, no rastro de um dos maiores escândalos político-financeiros da história da Itália. Com a morte de Giovanni Montini, o papa Paulo VI, chegou ao cargo máximo da Igreja Católica o ex-patriarca de Veneza, Albino Luciani, o papa João Paulo I. Homem correto, probo e humilde, Luciani durou pouquíssimo tempo no cargo.

Nos trinta e três dias de seu pontificado, João Paulo I tentou acabar com o crime organizado que dominava o Vaticano desde muito. A Santa Sé anunciou que Albino Luciani morreu em decorrência de um infarto, mas na verdade ele foi envenenado. Um assessor próximo, integrante da quadrilha que agia desde os tempos de Paulo VI, colocou cianureto no chá de Luciani. Enquanto aguardava-se a escolha de um novo pontífice, Gelli, Marcinkus e Calvi agiam livremente e contavam com a mente criminosa de Michele Sindona, o “Tubarão”, destacado integrante da loja maçônica Propaganda Due ou P2, um dos vértices do escândalo, banqueiro e membro da Cosa Notra, a máfia siciliana.

Clique e saiba mais sobre o decenal escândalo de corrupção que emoldura a sede da Igreja Católica, cujas finanças e administração o papa Francisco tenta reorganizar.

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