Queda de braço entre Renan e Cunha traduz a guerra por cargos e escancara a podridão da política

Jamais a política brasileira viveu tamanha degradação moral como a que tem emoldurado o setor ao longo dos últimos anos. Com o advento da Operação Lava-Jato, que desmontou o maior esquema de corrupção de que se tem notícia em todo o planeta, o Petrolão, a classe política vem esgueirando-se de forma recorrente para escapar das garras da lei.

Como sempre afirmou e continua afirmando o UCHO.INFO, política no Brasil não se faz sem a presença de enormes quantias em dinheiro, na maioria das vezes de origem duvidosa. A ousadia dos atores políticos avançou na mesma proporção e velocidade em que fermentou a corrupção, a ponto de brigas por cargos e poder tornarem-se algo corriqueiro.

Na quarta-feira (8), o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), ex-presidente do Senado, assustou a cúpula do Palácio do Planalto ao afirmar que Eduardo Cunha está querendo tomar o comando do PMDB de assalto depois de ter se apropriado do próprio governo.

A declaração de Calheiros não foge da verdade, mas traduz um cenário em que a política é tratada deliberadamente como negócio. Mesmo assim, impera na declaração de Renan o excesso de criatividade, pois nada do que vem fazendo Eduardo Cunha é novidade no universo político.

Quando ainda lutava para manter o mandato parlamentar, Cunha disparou diversos e polêmicos recados, a maioria cifrados, à classe política, dando a entender que sua queda não seria suave, mas com direito à artilharia pesada. O ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro não apenas foi cassado, mas acabou preso por ordem do juiz Sérgio Moro por seu envolvimento no Petrolão e outros esquemas de corrupção.

Levando-se em conta que até agora Cunha não soltou a voz para contar o que sabe a respeito da corrupção sistêmica que arruinou o País, não é irresponsabilidade concluir que esse silêncio tem um preço, que não deve ser pequeno. O script desenhado por Eduardo Cunha na prisão alçou o advogado Gustavo Rocha, que o defendeu o peemedebista na Lava-Jato, ao cargo de subsecretário de Assuntos Jurídicos da Casa Civil.


A ousadia de Cunha é tamanha, que mesmo preso ele trabalha para fazer de Rocha o substituto de Eliseu Padilha, afastado temporariamente da pasta por problemas de saúde. Como Padilha pode não voltar à chefia da Casa Civil por causa das denúncias de corrupção que brotaram na delação coletiva da Odebrecht, Rocha deu alguns importantes passos na direção do cargo.

Essa movimentação não foi a espoleta que fez explodir a indignação de Renan Calheiros, mas o pedido feito a direção do PMDB para que todos os envolvidos na Lava-Jato fossem afastados da Executiva Nacional da legenda. Os deputados federais que formularam tal pedido ao PMDB são ligados a Cunha.

A questão não está no comportamento arrojado de Eduardo Cunha, que não é novidade, mas no arquivo ambulante em que o ex-presidente da Câmara dos Deputados se transformou ao longo dos últimos anos.

Desde que assumiu a liderança do PMDB na Câmara, Cunha passou a operar com maior ímpeto e desenvoltura, transformando-se no “procurador” de muitos correligionários desprovidos de traquejo para a delinquência política. Isso fez com que Eduardo Cunha concentrasse poder e “tivesse nas próprias mãos” alguma dezenas de parlamentares, os quais hoje retribuem com lealdade os favores de outrora.

É importante lembrar que Eduardo Cunha financiou, possivelmente com dinheiro de corrupção, dezenas de campanhas eleitorais Brasil afora, principalmente nas eleições de 2014. O que lhe dá condições de, a partir do cárcere, cobrar dos aliados providências para que seu poderio político não encolha.

Por outro lado, Renan Calheiros, que lidera o PMDB no Senado ao mesmo tempo em que vê encurtar o caminho que o levará a uma condenação no STF, busca maior espaço no governo de Michel Temer, ou seja, cobra cargos para manter o apoio do Palácio do Planalto.

Michel Temer, que não chegou à Presidência pelo suposto “bom-mocismo”, está entre a cruz e a espada. Isso porque precisa atender aos reclamos de Renan Calheiros para não perder o apoio do próprio partido, o PMDB, e não pode virar as costas para Eduardo Cunha, que sabe muito mais do que os caciques peemedebistas gostariam. Em suma, como prega o dito popular, “se ficar o bicho come, se correr o bicho pega”.

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