Bate-boca entre Gilmar e Janot mostra que Lava-Jato corre riscos e o País é refém da vaidade alheia

Beira o desânimo ver o bate-boca entre autoridades que deveriam dar o exemplo ao País e esperança à população. O tiroteio verborrágico que colocou o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ganhou um capítulo extra e decadente nesta quarta-feira (22).

No dia anterior, Gilmar acusou o Ministério Público Federal (MPF), mais precisamente a PGR, de vazar à imprensa informações sobre investigações sigilosas, em especial da Operação Lava-Jato e da Operação Carne Fraca. E o ministro acertadamente falou sobre eventual anulação de provas diante do crime funcional que representa o vazamento.

Nesta quarta-feira, Janot, que assim como Gilmar Mendes sabe jogar para a plateia e criar situações de constrangimento, rebateu as críticas usando um discurso chulo, mais adequado para recepção de bataclã de luxo. O procurador-geral disse que Gilmar sofre de “disenteria verbal” e “decrepitude moral”, declaração que mostra o nível a que chegou o convívio entre autoridades, como se compostura fosse algo em desuso.

“Não vi uma só palavra de quem teve uma disenteria verbal a se pronunciar sobre essa imputação o Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal. Só posso atribuir tal ideia a mentes ociosas e dadas a devaneios. Mas infelizmente com meios para distorcer fatos e instrumentos legítimos de comunicação institucional”, disse Janot durante encontro com procuradores regionais eleitorais.

“Ainda assim, meus amigos, em projeção mental, alguns tentam nivelar a todos a sua decrepitude moral e para isso acusam nos de condutas que lhes são próprias socorrendo, não raras vezes, da aparente intangibilidade proporcionada pela eventual posição que ocupa na estrutura do Estado”, emendou o procurador-geral da República.

Que vaidade e poder caminham de mãos dadas todos sabem, mas não se pode aceitar comportamentos e discursos radicais ao se defender uma tese ou instituição. É preciso que o Estado Democrático de Direito seja levado em conta, assim como deve ser respeitada a legislação que fez do povo brasileiro uma nação.

O UCHO.INFO não tem preferência por essa ou aquela autoridade, até porque nosso compromisso é informar com responsabilidade e disponibilizar a análise mais balizada dos fatos, mas é preciso reconhecer que a fala do ministro Gilmar Mendes é procedente e tem por base a legislação vigente. No momento em que informações e provas são vazadas a esmo, como se fossem mercadoria sem dono, o descarte das mesmas pode ser arguido, cabendo à Justiça decidir sobre o tema.


Ao Ministério Público, como o próprio nome sugere, cabe a missão imperiosa de defender o interesse da população, não patrocinar espetáculos pífios em que seus agentes ultrapassam os limites do bom senso, da ética e da própria lei. Este noticioso sempre condenou as malfadadas entrevistas coletivas de procuradores e delegados, as quais tornaram-se rotina desde a deflagração da primeira fase da Operação Lava-Jato, pois muitas vezes policiais estavam em campo a cumprir mandados judiciais, enquanto a força-tarefa se debulhava em explicações à imprensa.

Nos dias atuais, jornalismo transformou-se em ofício exercido a partir de uma agenda recheada de nomes importantes e números de telefones cruciais. Não há mais o trabalho de pesquisar, investigar, burilar a informação antes de divulgar a notícia. Fala-se com uma fonte destacada, “passa-se um creme” na informação e o passo seguinte é despejá-la sobre a opinião pública com direito à tarja do exclusivo, da primeira mão.

Ora, na Operação Lava-Jato, por exemplo, a mais famosa de todas, aos delatores é vedado o vazamento de informações, sob pena de serem anulados os respectivos acordos de colaboração premiada. Se o delator não pode dar detalhes do caso, o vazamento só pode ocorrer a partir daqueles que investigam o crime. Do contrário, vale a tese do ministro Gilmar Mendes de que jornalistas conseguem informações exclusivas em sessões espíritas.

Por outro lado, as recentes conversas de alcova de Gilmar Mendes com investigados e alvos de ações judiciais ferem de morte o espírito republicano. Aliás, quando um integrante do Judiciário, que tem em suas mãos o poder de decidir o futuro de políticos e governantes, como é o caso de Michel Temer, diálogos reservados em palácio são condenáveis. Até porque, o próprio Gilmar condenou, assim como tornou pública, uma fracassada investida de Lula para tentar amainar os resultados do Mensalão do PT, que no STF foi julgado na Ação Penal 470.

Enquanto Rodrigo Janot agarra-se ao “bom-mocismo” de aluguel, Gilmar Mendes abusa do “jeito estúpido de ser”. Isso porque a vaidade de ambos não cabe no Planalto Central. Enquanto isso, desvarios e transgressões são cometidos no âmbito das investigações, sem que a sociedade tenha conhecimento desses atos. Quando integrantes da força-tarefa fazem reuniões regulares com jornalistas (e pseudos também) para vazar informações seletivas é porque há algo errado.

O Ministério Público Federal quer para si o bastão da última palavra, enquanto o STF não abre mão do desfecho final. O trabalho de um não pode atrapalhar o do outro, e vice-versa, mas o que se vê é uma disputa insana e irresponsável que coloca em risco o Estado Democrático de Direito. Um quer ser mais importante que o outro, não importando a ordem em que isso ocorra.

Nos últimos meses, o MPF tem insistido no discurso descabido de que a classe política é uma enorme e constante ameaça à Operação Lava-Jato. Tanto é assim, que procuradores, que não têm a prerrogativa de legislar, propuseram ao Congresso um projeto de lei batizado como “dez medidas contra a corrupção”, como se no País inexistissem leis para combater e punir esse tipo de crime. Se há de fato uma ameaça no caminho da Lava-Jato, essa está materializada nos vazamentos. Pelo que temos conhecimento, informações não escapam sozinhas de inquéritos, delações e outros quetais.

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