Brasil deixa de ser referência no combate ao trabalho escravo, afirma OIT

O Brasil deixou de ser um exemplo de fiscalização do trabalho escravo após a publicação de uma portaria aprovada na última segunda-feira (16), considerou a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“O Brasil, a partir de hoje, deixa de ser uma referência no combate à escravidão como estava sendo na comunidade internacional”, disse Antonio Rosa, coordenador do Programa de Combate ao Trabalho Escravo da OIT e representante da organização no Brasil.

A portaria introduz novas regras para caracterizar o trabalho escravo e para atualizar o cadastro de empregadores que usam esse tipo de mão de obra, a chamada lista suja do trabalho escravo.

Assinada pelo ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, e publicada no Diário Oficial da União, a portaria está sendo criticada por diversas organizações de defesa dos direitos humanos por potencialmente dificultar a punição de empregadores que usam trabalho escravo, já que dificulta a inclusão dos mesmos na lista.

Critérios internacionais

Antes da portaria, a fiscalização no Brasil usava conceitos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Código Penal do país considerando quatro elementos para caracterizar condições análogas à escravidão:

• trabalho forçado;
• servidão por dívida;
• condições degradantes;
• jornada exaustiva.

Essas diretrizes internacionais eram mais abrangentes para caracterizar o trabalho escravo. Para duas destas premissas, trabalho forçado e servidão por dívida, era necessário comprovar a privação de liberdade dos trabalhadores.

Segundo a nova portaria, também passa a ser preciso verificar a privação de liberdade para comprovar condições degradantes de trabalho e a imposição de jornada exaustiva.

Rosa, da OIT, disse que o novo decreto estabelece um conceito “condicionado à situação de liberdade, e não é assim no mundo, a escravidão moderna não é caracterizada assim”.


Lista suja

Outra regra alterada diz respeito à publicação da chamada lista suja das empresas e pessoas flagradas usando trabalho escravo no Brasil. O documento era antes organizado e divulgado pela Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae), mas agora a sua publicação dependerá da aprovação direta do ministro do Trabalho.

As normas também diminuíram a autonomia dos auditores-fiscais nas inspeções. Os inspetores que verificam a prática de trabalho escravo no país terão que estar sempre acompanhados de um agente da polícia, que fará um boletim de ocorrência do auto de flagrante nas fiscalizações. Sem esse documento, as autuações perdem a validade e os infratores não serão punidos.

Revogação

O Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério Público Federal (MPF) recomendaram ao Ministério do Trabalho que revogue a Portaria nº 1.129.

Os procuradores da República e do Trabalho, que assinam a recomendação, afirmam tratar-se de procedimento preparatório para apurar a ilegalidade da portaria. Para o grupo, a iniciativa do Ministério do Trabalho é ilegal, pois afronta o Código Penal, que estabelece o conceito de trabalho em condições análogas à escravidão e se sobrepõe à portaria ministerial.

Segundo o artigo 149 do Código Penal, quem submete alguém a realizar trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida, está sujeito a pena de dois a oito anos de prisão e multa.

Também incorre no mesmo tipo de crime quem, com o propósito de reter os trabalhadores, limita que eles utilizem qualquer meio de transporte, ou os mantém sob vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador.

Os procuradores que assinam a recomendação sustentam que, além de afrontar o Código Penal, a portaria ministerial contraria decisões da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Supremo Tribunal Federal (STF). “A referida portaria traz conceitos equivocados e tecnicamente falhos dos elementos caracterizadores do trabalho escravo, sobretudo de condições degradantes de trabalho e jornadas exaustivas”, afirmam os procuradores. (Com agências de notícias)

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