Como se o Brasil fosse o paraíso, Congresso dedica-se à regulamentação do Uber e outros aplicativos

Há no Brasil uma inversão da ordem dos fatores na política. Os eleitos deveriam trabalhar em prol dos interesses dos eleitores, mas o que vem ocorrendo há anos é exatamente o contrário. Detentores de mandato eletivo cuidam apenas e tão somente dos próprios interesses, mesmo quando fingem cuidar das necessidades da população ou de alguns segmentos da mesma. Isso acontece com mais frequência e intensidade diante da aproximação de períodos eleitorais. Em bom português, isso é fisiologismo barato e escancarado.

Na noite desta terça-feira (31), o Senado Federal aprovou o projeto de lei que regulamenta o transporte privado por meio de aplicativos, como Uber, Cabify e 99. O texto, originário da Câmara dos Deputados, é de autoria do petista Carlos Zarattini (SP), líder do partido na Casa legislativa.

Com a esquerda verde-loura enfrentando os efeitos colaterais do maior esquema de corrupção de todos os tempos, o Petrolão, e correndo o sério risco de encolher drasticamente nas próximas eleições (2018), o PT decidiu encapar a briga dos taxistas contra os motoristas de aplicativos, ação que teve como nascedouro os sindicatos que representam os primeiros. Ou seja, Zarattini alegou estar defendendo os taxistas, mas na verdade agiu para garantir votos ao PT no próximo ano. Sem contar que sua incursão pode manter alguns companheiros no comando de sindicatos de taxistas.

Os senadores aprovaram o texto enviado pela Câmara, mas com duas alterações importantes: retiraram a exigência da chamada placa vermelha e a obrigatoriedade de que os motoristas sejam proprietários dos veículos que utilizarem para a comercialização do serviço. A placa vermelha, que na prática representa alvará de taxista, custa R$ 60 mil na cidade de São Paulo, ao passo que muitos motoristas de aplicativos usam carros de locadoras.

Diante da alteração, a proposta precisa ser apreciada novamente pelo plenário da Câmara dos Deputados. Na votação, os parlamentares aprovaram duas emendas acolhidas pelo relator, senador Eduardo Lopes (PRB-RJ), e rejeitaram outras sugestões de alteração do texto, como a que limitava a 5% o valor cobrado pelas empresas aos motoristas de aplicativos. O texto-base do projeto foi aprovado por 46 votos favoráveis, 10 contrários e uma abstenção. As demais votações ocorreram de forma simbólica, o que gerou confusões e discordâncias em plenário sobre o procedimento adotado pelo presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE).


No momento em que a maior parte dos países avança na direção da autorregulação dos mercados, o Brasil se vê diante de um retrocesso monumental no caso do transporte por aplicativos. É importante salientar que com a chegada dessa modalidade de transporte não houve redução na renda dos taxistas em todo o País. Na verdade, a concorrência provocada pelos motoristas de aplicativos obrigou os taxistas a melhorarem a qualidade dos serviços prestados. E nessa disputa quem saiu ganhando foi o cidadão.

Não precisa muito esforço para conferir a realidade que marca essa queda de braços entre taxistas e os motoristas de transporte privado. Basta usar os serviços de um e de outro para saber o que de fato acontece no mercado. Se de chofre os taxistas perderam clientes, esses agora começam a voltar ao bom e velho táxi. Isso porque a qualidade do serviço é sensivelmente melhor e o preparo do motorista é inquestionável.

Por outro lado, os motoristas de aplicativos vivem uma ilusão momentânea em termos de viabilidade do negócio. Nesse mercado de transportadores privados a conta não fecha, pois o percentual pago às empresas dos aplicativos (15% a 25%) e as despesas do negócio em si (combustível, alimentação, manutenção do veículo ou locação do carro) permitem ao motorista lucrar muito pouco. Alguém há de perguntar o motivo que leva a alguém a entrar em um negócio pouco lucrativo. E a resposta está na necessidade criada por uma crise sem precedentes e que lentamente começa a se dissipar.

Há no mercado de transporte privado espaço para todos – taxistas e motoristas de aplicativos –, mas o oportunismo de alguns políticos e o ranço do sindicalismo nacional mais uma vez falaram mais alto, criando uma confusão que poderia ser facilmente solucionada pela autorregulação do mercado, mas que por infelicidade acabou no Congresso Nacional. Como se o Parlamento federal nada mais tivesse a tratar.

Nervos à flor da pele

Durante a análise do projeto de lei pelo Senado, protestos reuniram na Esplanada dos Ministérios aproximadamente 3 mil pessoas, entre taxistas e motoristas de aplicativos. Ao menos dois entreveros foram registrados pelas forças de segurança, que foram obrigadas a bloquear o trânsito local por alguns minutos. Em um dos episódios, taxistas que se dirigiam em direção aos motoristas de aplicativos foram contidos com spray de pimenta pela Polícia Militar do Distrito Federal, que prendeu um motorista por desacato.

No Congresso, o clima não foi menos tenso. Em um dos corredores do Senado, o diretor de comunicação da empresa Uber, Fabio Sabba, foi agredido no rosto enquanto concedia entrevista a um jornalista. Por meio de nota, a Uber condenou o episódio e informou que o funcionário passa bem e registrou boletim de ocorrência na delegacia do Senado. “A Uber considera inaceitável o uso de violência. Acreditamos que qualquer conflito deve ser administrado pelo debate de ideias entre todas as partes”, afirmou. (Com informações da ABr)

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