Abriram-se os armários. E as portas, gavetas, frestas

(*) Marli Gonçalves

Os esqueletos estão saindo, batendo os ossos, chacoalhando tudo, tirando a paz de muita gente, fazendo um barulho danado. Remexem a terra da Terra. São palavras não ditas, denúncias retomadas, assédios e relações mal explicadas, sensações, vontades… O que vem mais por aí?

Que momento interessante esse, uma espécie de expurgo antes de o mundo se acabar. Um tipo de desabafo mundial, confissões do Apocalipse, ninguém mais se segura. É um tal de línguas destravadas e mentes nebulosas dando o que falar. Deve ter sido alguma chacoalhada astral, e parece que o epicentro ocorreu em Brasília, não sei se o ar seco, a falta de água, se alguém pôs alguma coisa na bebida de uns ministros (que droga será essa?)

Os olhinhos juntos do Ministro da Justiça, o Torquato, até se realinharam quando, em entrevista, soltou cobras e lagartos aos pés do Corcovado, do Rio de Janeiro. Sua boquinha mandou bala perdida para todo o alto escalão de tudo; como quem não quer nada, já que em nada foi preciso nas acusações e observações, lançou uma nuvem de raios sobre cabeças premiadas que, pelo menos até agora quando escrevo, continuam apenas se batendo entre si. O lado acusado não tem muito como se defender, com dados a seu favor. O outro, o atirador, está fazendo que não é com ele. Pelo menos não disse que não disse o que disse.

– (Até o momento de fechamento do noticiário, o Ministro da Justiça continuava no cargo. Fontes dizem que o seu chefe pediu que apenas ficasse quieto. Fechasse o bico).

Aí vem doideira, total, coisa pra tratamento urgente – se é que ainda há tempo: a Ministra dos Direitos Humanos, a Luislinda, entronada muito mais como representante da mulher e dos negros, solicita, bem quietinha, que seu pobre salário de mais de 30 mil possa ter somado com mais um, de outros 30 mil, mais os 3 e pouco. Total pretendido: sessenta e lá vai pedrada mil reais por mês. Mas não foi assim só. Pediu. Pediu e justificou, entre outras alegando que a negativa desse pedido seria como, parecida, lembraria, a escravidão. Revelada a sua insanidade, percebido o barulho, voltou atrás. Vai ficar só com os 30 mil e uns quebradinhos. E está muito infeliz e preocupada com isso. Como vai comer, se vestir, ficar digna do sobrenome, só com esse troco? (Sim, quanto mais ela se defendeu, mais disse insanidades, mais se afundou).

– (Até o momento de fechamento do noticiário, a Ministra dos Direitos Humanos continuava no cargo. Fontes próximas ao Palácio comentam que o chefe dela, depois de xingar muito, continua querendo rever o combate ao trabalho escravo).

Acabou? Não! No meio de tudo isso, de um governo que toda hora tropeça e perde um pedaço da razão, que está sendo mastigado lentamente por aliados oportunistas, o Ministro da Economia, o Henrique, o único que parecia trabalhar até agora, declara que é, sim, presidenciável. O que todo mundo já sabia, claro. Mas que não era preciso dizer; não era hora; não tem cabimento; não tem sentido, não ajuda ninguém.

– (Até o momento de fechamento do noticiário, o Ministro da Economia continuava firme e forte no cargo. Assessores garantem que o presidente não leu, não soube de nada, não foi informado sobre a declaração de seu ministro. Caso contrário, se ficasse sabendo, claro que tomaria alguma providência. Faria um biquinho, beicinho, quando o encontrasse).

E vocês aí querendo que o Brasil saia da crise… Mas somos globalizados, e tem outro tema escancarado causando rebuliço: #assedio. Aí não foi só o armário que se abriu. O tapete voou, as janelas se abriram, bateu vento forte. Pra começar, no meio do glamoroso mundo do cinema. De onde se alastra com rapidez para todas as áreas, ativando a memória das vítimas que certamente estavam até agora tentando esquecer, e que agora exorcizam.

Quem já passou por isso sabe o quão doloroso é recordar. Assédios sofridos quando ainda éramos crianças e que só entendemos o que era aquilo anos depois. Assédios sofridos quando, já adultos, entramos no mercado de trabalho, na Universidade, ou ainda apenas nos transportes coletivos. Atinge a todos, mas muito especialmente as mulheres.

A gente só precisa tomar cuidado para que os esqueletos que estão surgindo não tornem o assunto banal nem que o sentido de assédio seja desvirtuado e vire carne de vaca. Se generalizado e usado toda hora como vem ocorrendo com o “empoderar”, perderá o sentido, inclusive, tantas pessoas, muitas personalidades, terem se exposto tanto como fazem agora.

(*) Marli Gonçalves, jornalista – Acho que vem daí a antiga superstição de não dormir com a porta do armário aberta. De lá saem fantasmas. O assédio sempre foi assunto bem sério e recorrente no meio de imprensa. Se começar a lembrar… Deixa pra lá. Já foi. Já perdi muito com isso.

São Paulo, 2017

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