A hora de a cobra beber água

(*) Carlos Brickmann

É hoje – e não é hoje. Lula pode perder por 3×0, com aumento de pena, e não vai para a cadeia, nem fica imediatamente inelegível pela Lei da Ficha Limpa. Pode ganhar por 3×0, sair livre, leve, solto, e nem assim o processo estará encerrado. O perdedor pode recorrer ao próprio tribunal, ao STJ, ao Supremo; para que a Lei da Ficha Limpa seja aplicada, caso confirmada a condenação, Lula precisa pedir o registro de sua candidatura, entre 20 de julho e 15 de agosto. Neste momento, o Tribunal Superior Eleitoral a impugna. Claro, há os recursos de praxe, inclusive ao Supremo, e há quem diga que o calendário permitirá que ele faça campanha, gaste o dinheiro do fundo eleitoral público, concorra e até seja eleito. Mas só toma posse se for vitorioso nesses recursos. Cadeia é diferente: se perder hoje, no julgamento, e nos futuros recursos, o tribunal pode mandar prendê-lo, mas só se quiser.

Então, se nada será decidido, qual a importância do julgamento de hoje?

O caso é importante porque, pela primeira vez, Lula entra em risco nos processos oriundos do Mensalão, Lava Jato e Petrolão. Fora esse, o do apê na praia, há outros cinco processos; há ainda duas denúncias. É acusado 246 vezes de lavagem de dinheiro, 21 de corrupção passiva, três de formação de quadrilha, 4 de tráfico de influência, 2 de obstrução à justiça. Para quem se define como “jararaca”, chegou a hora de a cobra beber água.

Talvez superar esse duro roteiro signifique para ele a pior das punições.

Dura lei

Caso a sentença imposta a Lula pelo juiz Sérgio Moro seja confirmada, ou aumentada, seu passaporte poderá ser apreendido. Sim, é pena acessória, mas que num político habituado a viagens internacionais deve doer muito.

Plano B

Caso Lula consiga manter a candidatura por algum tempo e tenha de retirá-la, o PT poderá indicar novo candidato até 20 dias antes da eleição. O Plano B de Lula, ao que tudo indica, seria Jaques Wagner, ex-governador da Bahia, ex-chefe da Casa Civil de Dilma. Wagner, hábil e simpático, tem o hábito de se relacionar civilizadamente com os adversários.

A lei é dura…

Este colunista não é favorável nem contrário à prisão do ex-presidente Lula. Acredita que só deveriam ir para a prisão pessoas que, se soltas, ofereceriam risco de ações violentas. Isso vale para todos: Lula, Palocci, Sérgio Cabral, Joesley e todos os demais criminosos de colarinho branco. Condenados na forma da lei, devem ser punidos com dureza, mas da maneira que lhes doa mais: confisco de bens, para repor o que foi desviado, multas punitivas, despesas de investigação, proibição de trabalhar em determinadas áreas, bloqueio de viagens internacionais, trabalhos comunitários, mais o que os especialistas julgarem oportuno elencar, Prisão, não. Quem paga impostos não tem a menor obrigação de sustentar criminosos condenados, nem de cuidar de sua saúde e segurança.

…mas é lei

Entretanto, enquanto a lei é a atual, que seja cumprida com rigor. Se Lula for absolvido, que se pare de falar do apartamento que não é dele. Se for condenado, que se apliquem as punições legais. E que os lulistas parem de gritar em coro que eleição sem Lula não é eleição, é fraude. Esse tipo de slogan assegura aos lulistas que são mais iguais do que todos. São iguais aos outros, como se sabe; mas sempre disseram que o PT seria diferente.

Nós e eles

É curioso ler os manifestos iguaizinhos redigidos por entidades ligadas ao PT. Todos, no fundo, mostram a verdade de uma frase irretocável de Millôr Fernandes, uma joia de definição do que é política: “Democracia é quando eu mando em você. Ditadura é quando você manda em mim”.

Foto-potoca

Twitter do deputado federal José Guimarães (PT-Ceará), postado na segunda-feira às 17h11: “Caravanas rumo a Porto Alegre em solidariedade a Lula”. Na foto, uma estrada lotada de ônibus, que bloqueiam toda a pista direita. Só que não: esta foto vem sendo repetida na Internet desde 2014. E a que se refere? A legenda mais antiga diz: “Comboio da muamba em Foz do Iguaçu, 04/10/2002”.

Na ocasião, a Polícia Federal bloqueou centenas de ônibus de sacoleiros e revistou-os em busca de contrabando. Publicar a foto agora, como se fosse atual, para informar falsamente que caravanas de lulistas se encaminhavam em massa para Porto Alegre, mostra que a mobilização petista fracassou – tanto que foi preciso recorrer a uma foto de outro evento. Mas há uma ponta de verdade: os ônibus, em 2002, também transportavam gente que acreditava na violação da lei como modo de vida.

A frase que ninguém disse

Se o Lula for absolvido, mato ou morro. Ou me escondo no mato ou fujo pro morro.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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