Os nós que falta desatar na segurança pública

(*) Carlos Arouck

Outro dia li uma matéria sobre a criação do Ministério da Segurança Pública. A primeira vista, pode até parecer uma boa iniciativa. Afinal, ninguém é contra o uso de recursos em área tão importante quanto a da segurança de todos nós. Só que não. Primeiramente, por um motivo simples: já existe a Secretaria de Segurança Pública. Em minha opinião, criar outra estrutura é como sinalizar o fracasso da que existe no momento. Como desatar esse nó? Por que não investir e concentrar esforços e experiência no que temos disponível para que dê certo? Parece mais sensato do que montar nova estrutura para o mesmo fim.

Não tenho a pretensão de apontar a melhor forma de assegurar a segurança dos brasileiros. Posso, sim, questionar como as ações de segurança têm sido executadas ou sugerir outras formas de como poderiam ser conduzidas. O que escrevo não é para a grande mídia, é para todos os interessados no assunto. As estatísticas disponíveis trazem dados desanimadores: milhares de crimes são cometidos no Brasil, mais de 60 mil mortes violentas no ano de 2016, nosso recorde de homicídios. Aliado a esses números, sabemos que o sistema é burocrático, caro e com poucos resultados. Também sabemos que os policiais morrem a nível de guerra, que são maus remunerados e não há verbas para serem melhor treinados ou equipados. Já sabemos que os governos sucatearam as polícias. Não é à toa que umas das prioridades do cidadão é sua própria segurança.

Esse Ministério nada mais representa do que uma nova pasta na administração, inchando a máquina federal no momento em que a população defende a redução de tudo: de ministérios, de senadores, deputados federais… Pode ainda ser o primeiro passo para tirar a responsabilidade dos Estados e Municípios sobre a segurança dos seus cidadãos. O caminho, a meu ver, tem que ser o inverso, por meio da municipalização da segurança pública, com divisão de ônus entre os Estados e Municípios. A ideia é diminuir o controle da União e assim, reforçar o pacto federativo. A tendência moderna é diminuir a presença do governo federal e aumentar a autonomia dos entes federativos. Estamos caminhando na contramão.

Se criado, quanto tempo duraria o Ministério da Segurança Pública? Os policiais, principalmente os militares, com certeza continuariam a ser taxados de “assassinos fascistas” pela imprensa acostumada a vitimizar os criminosos. As campanhas pelo desarmamento continuariam incentivando os cidadãos de bem a não portarem armas. Os defensores da criação desse ministério alegam que uma estrutura federal permitirá melhor integração entre as diferentes polícias. Esse milagre não vai acontecer na prática, pois não há sintonia nem compartilhamento de conhecimentos e informações entre as forças policiais. Menos ainda existe entre as polícias e os investigadores, promotores e juízes ou mesmo com a população ou lideranças da comunidade. Uma das atribuições da nossa atual Secretaria de Segurança Pública é exatamente a integração das atividades policiais de todas as esferas de governo. Se a Secretaria já enfrenta dificuldades, o Ministério enfrentará resistências ainda maiores.

Os custos da segurança pública são altos, mal planejados e com muitos desperdícios. O Brasil não tem uma política de segurança de excessiva criminalização, ou pautada em muitas prisões e em repressão policial. Ainda não existe uma política nacional, nem regional, de segurança pública alguma. O que temos é uma luta corporativa entre vários órgãos de segurança: polícia, justiça e ministérios públicos e dentro da própria polícia. Não vejo real interesse em resolver a questão da segurança pública. A população permanece à mercê da barbárie. Somos um país de baixíssimos índices de elucidação criminal – menos de 10% dos crimes letais. E, se crimes não são esclarecidos, bandidos não são identificados, tampouco presos. Isso elimina do cenário de contenção criminal o receio da punição.

O quadro vigente não é só porque temos um sistema burocrático que ainda prioriza o falido inquérito policial junto à precariedade da investigação policial. Se somente 10% dos crimes são resolvidos, isso ocorre porque os investigadores simplesmente não investigam. A obrigação do agente é encontrar a materialidade e autoria do crime ocorrido então nós temos uma responsabilidade bem pesada nesse sistema fracassado. A burocracia é, sem dúvida, um empecilho para o desenvolvimento investigativo em um país de juristas. A insegurança atual é resultado do estímulo que é dado aos criminosos, uma vez que contam com a certeza da não reação policial, provocada pela certeza da não punição; contam com o erro na repressão aos ilícitos e com o crescimento do consumo de drogas, aliado à frouxidão e conivência da Justiça e das Leis, que pecam por apresentar várias interpretações para o mesmo crime. Tanta desmotivação e a falta de uma política de meritocracia favorecem um cenário de crescimento da violência criminal. Contra ele, não adianta politizar a discussão, culpar a repressão policial ou fingir que o cidadão comum tem qualquer responsabilidade pelos altos índices de criminalidade. Uma das práticas mais injustas é aquela que tenta culpar a vítima: foi assaltado porque saiu com uma aliança de ouro, porque estava na rua até tarde da noite, porque saiu sozinho… Procurar culpados não resolve. É preciso, sim, tirar lições do fracasso.

Além da novidade da criação do ministério, recentemente algumas mídias divulgaram outra criação, a de uma polícia federal fardada dentro da própria polícia federal, para cuidar das fronteiras e substituir a força nacional, que por si só já é um absurdo. Já existe uma polícia fardada, à qual seria mais fácil atribuir novas atividades do que criar uma dentro da PF, essencialmente judiciária. Em relação à polícia militar (PM) e à polícia civil (PC)dos Estados, a união das corporações precisa ser feita de forma gradativa. Começando pela criação das centrais de polícias, onde as duas instituições trabalhariam no mesmo ambiente, usariam as viaturas com a mesma cor e suas atribuições terminariam onde a da outra começaria. Cada central teria um chefe da PM e o adjunto da PC e vise versa. Mas as centrais de polícia merecem um artigo à parte para melhor compreensão.

O futuro no setor da segurança pública vem da terceirização do apoio policial, como na terra dos ianques, onde a prefeitura ou mesmo o FBI contrata pessoas remunerada com certas expertise para elucidações de casos complexos. Estão surgindo no Brasil Institutos com essa finalidade e também para proteção dos direitos humanos dos policiais e familiares.

Ainda há muitos nós a serem desatados na área da segurança pública e muito pouca vontade para realmente fazer isso. Muito mais fácil é anunciar a criação de um novo ministério ou de novas leis como forma de acalmar os ânimos. Existem duas guerras, uma lá fora e outra dentro das corporações. O importante é compreender que não é desarmando a população nem tratando criminoso como vítima que conseguiremos reverter nossos problemas de insegurança. Precisamos, urgentemente, retirar os estímulos para que ele assim aja, seja pela certeza da punição, seja pelo temor à vítima. Fora isso, toda crítica não passa de nova embalagem para discursos antigos.

Termino citando Cesare Beccaria: “A finalidade das penas não é atormentar e afligir um ser sensível (…) O seu fim (…) é apenas impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo”.

(*) Carlos Arouck – Agente de Polícia Federal, é graduado em Direito e Administração de empresas, com especialização em gerenciamento empresarial. Já ministrou cursos na área de proteção e vigilância. Instrutor da Academia Nacional de Polícia, trabalhou no setor de segurança de dignitários, estadistas e autoridades, como Papa João Paulo II, Lady Diana Spencer, Imperador Akihito, Mikhail Gorbachev, Margareth Thatcher, entre outros. Participou como agente de segurança cós maiores eventos do País desde a ECO 92, além de audiências, seminários e palestras sobre segurança pública.

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