Abusos sem fim contra o consumidor-passageiro de aviões

(*) Rizzatto Nunes

Pensemos no seguinte: o consumidor adquire um ingresso para ir ao cinema e depois tem que pagar algo a mais para marcar o lugar ou acontece o mesmo quando quer ir ao teatro. Ou, então, é o restaurante que cobra uma taxa extra para a escolha da mesa. Ou, sei lá, para assistir a uma palestra, além do ingresso é necessário pagar uma taxa para marcar o assento na sala. Quem sabe, possa-se cobrar do aluno para marcar a cadeira na sala de aula.

São situações absurdas, certo?

Pois é, mas é isso o que já está ocorrendo no caso de passagens aéreas. Algumas companhias cobram para marcar previamente o assento . O consumidor paga o ticket e um “plus” para marcar o lugar no avião. Mas, não é só. Veja abaixo.

O Código de Defesa do Consumidor, como se sabe, define o consumidor como vulnerável (art. 4°, I) e não resta dúvida de que no mercado de consumo, ele é a parte frágil de relação.

Eu, mais de uma vez, defendi aqui neste mesmo espaço, que nem sempre o consumidor precisa de proteção. Isso porque há muitas compras de produtos e serviços que ele faz porque quer e está consciente de seu ato e das consequências dele. Mas, há, naturalmente, muitas situações nas quais o consumidor está totalmente fragilizado e sua vulnerabilidade torna-se extrema.

Isso ocorre nas relações que envolvem os serviços essenciais, os serviços médicos e de saúde etc. E um dos exemplos mais gritantes de vulnerabilidade é o que envolve o transporte aéreo. Neste, o consumidor está numa situação de inferioridade em relação ao prestador do serviço e de vulnerabilidade que permite toda sorte de abusos.

Apesar de alguns avanços, especialmente por ação de alguns empresários que acreditam que seu negócio pode ser rentável respeitando seu público alvo, os fatos mostram que em pleno século XXI muitas empresas, sempre que podem, abusam de seus clientes. As companhias aéreas estão neste pacote.

Esse é um setor que exige regulamentação legal e/ou ação governamental e normas internacionais amplamente fixadas. Não é possível deixar a definição das regras nas mãos das companhias aéreas. Nem vou chover no molhado aqui, pois o noticiário regular mostra que os abusos são praticados pelo mundo afora regularmente.

A situação de fato da fragilidade do passageiro é evidente: ele está saindo de viagem a negócios ou a passeio, sozinho ou com seus familiares. No aeroporto, pode apenas aguardar que seu avião chegue e saia na hora (E, claro, que dê tudo certo na viagem). Se está saindo de sua casa, sua cidade, seu país ou se está voltando a angústia é a mesma. Ali, na frente de um atendente da empresa aérea, ele pode fazer muito pouca coisa além de ouvir e concordar. Ele está sempre sujeito ao ato abusivo, aberto e declarado!

Aqui mesmo nesta coluna, eu tive oportunidade de criticar a ANAC (agência que devia proteger o consumidor no território nacional…), que, seguindo, normas de outros países, modificou para pior o peso das bagagens que os passageiros podem levar.

Ah, é verdade, a agência disse que isso traria diminuição nos preços!

Infelizmente, os noticiários têm comprovado que essa era mais uma das conversas moles para boi dormir, inventada pela agência. Neste setor das companhias aéreas, a prestação dos serviços, a cada dia que passa, vai decaindo: a qualidade decresce e o preço cresce. Ou seja, tudo o que não se deveria esperar de um sistema capitalista moderno.

Nesse setor, o consumidor está jogado a própria sorte e pouco ou nada pode fazer. Se fosse um caso de mau atendimento num restaurante, bastaria o consumidor ir embora e procurar outro lugar. Aliás, nesse setor, a concorrência funciona, não é mesmo? E também no comércio e geral de vestuário, produtos para casa etc. Só que no setor aéreo, com exceção de alguns trechos voados com alguma concorrência, as empresas fazem o que querem. O consumidor sofre abuso e, se quiser viajar de novo, tem que voltar ao mesmo balcão onde foi violado.

Caro leitor, veja essa experiência recente de meu amigo Outrem Ego. Foi na volta de Lisboa para São Paulo.

Como ele já morou em Portugal e foi e voltou muitas vezes, possui o cartão Gold da TAP, o que lhe dá certas regalias. Por exemplo, ele tem direito de despachar 3 malas de até 23 kilos cada. Muito bem. Quando voltava de lá, há alguns dias, foi ao balcão despachar 2 malas. Na balança, uma apontou 15 kilos e a outra 28,5 kilos. A atendente, então, disse que ele teria que pagar cerca de 115 euros por excesso de bagagem. Ele argumentou. Disse: “Mas, eu tenho direito de despachar 3 malas de 23 kilos cada. Tenho, portanto, o direito de colocar no avião 69 kilos de bagagem. E estou embarcando apenas 2 malas num total de 43, 5 kilos”.

Alguém acha de adiantou? Não. Cobraram o excesso assim mesmo.

Eu deixo claro que meu amigo tem toda razão. Não se trata de excesso de peso porque pode ser ruim para o transporte. Isso não, pois na classe executiva da TAP a mala pode ter 32 kilos. Logo, passar de 23 não é problema. Trata-se de abuso, puro e simples, em função da fragilidade do consumidor naquele instante.

Aliás, esse modo de cobrar por excesso de peso da bagagem é abuso franco, praticado abertamente e generalizado. Se um casal viaja junto e na mala de um há 10 kilos e na do outro 28, é cobrado excesso. Se 2 irmãos viajam juntos e ocorre o mesmo, também e assim por diante.

Em linguagem consumerista, chama-se oportunidade para abuso. Nada além disso.

Já passou da hora de se regrar esse setor para proteger os passageiros. Quero dizer, estamos andando para trás, pois as normas anteriores estão sendo abandonadas pelas agências reguladoras, deixando os consumidores à mercê das empresas aéreas que abusam de seus direitos.

O Judiciário pode ajudar, mas já está abarrotado, além do quê, como se sabe, danos de pequenas montas não geram demandas. É um amplo espaço para as companhias aéreas irem faturando um pouco de cada vez, o tempo todo e de muitos passageiros. É capitalismo de quinta categoria.

(i) Algumas companhias já fazem isso. E a Gol também começou: https://todosabordo.blogosfera.uol.com.br/2018/02/22/gol-comeca-a-cobrar-ate-r-20-para-marcar-lugar-em-voo-com-antecedencia/

(*) Luiz Antônio Rizzatto Nunes é professor de Direito, Mestre e Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Livre-Docente em Direito do Consumidor pela PUC-SP e Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.

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