Greve dos caminhoneiros: batata vale ouro, políticos valem nada

(*) Ucho Haddad

Como sempre acontece no Brasil em momentos que ultrapassam as barreiras do bom senso – isso tornou-se comum nas terras verde-louras –, a greve dos caminhoneiros começa a produzir suas sandices, além de uma cascata de efeitos colaterais. Não apenas por aqueles que rodam o País em todos os seus quadrantes transportando produtos, mas por oportunistas de plantão que retratam de maneira precisa e fiel a essência de um povo acostumado com o imediatismo e soluções milagrosas.

Não é de hoje que insisto no discurso de que uma nação não se faz em pouco tempo, pelo contrário. E a solução para os problemas não se encomenda na pizzaria da esquina mais próxima. É preciso determinação, foco, paciência e, acima de tudo, patriotismo. Diante da avalanche de radicalismo e polarização que embala o Brasil, falar em patriotismo parece conversa de extraterrestre, quando na verdade é a receita para um país minimamente digno e coerente.

No rastro da onda de desabastecimento que ganhou força nas últimas horas em virtude da paralisação dos caminhoneiros, no Rio de Janeiro um saco de batata chegou a ser vendido por R$ 400, sendo que antes custava R$ 70.

Não se pode negar que o mercado gira na órbita da oferta e da demanda, mas quintuplicar o preço de determinado produto apenas porque o País enfrenta uma questão pontual é banditismo elevado à máxima potência. Mas tudo bem, pois aqui é o paraíso do faz de conta, o reino dos alarifes profissionais.

O problema torna-se ainda maior e mais preocupante quando constata-se que há gente disposta a pagar tanto dinheiro (quase 100 euros) por quase nada. O que a olhos primeiros pode parecer uma excrescência mercantilista, na verdade revela o quanto o Brasil, como nação, está depauperado. Quando, em situação anômala, um saco de batata é vendido por valor correspondente a 40% do salário mínimo é porque tudo está errado, erradíssimo.

O mesmo aconteceu em Brasília, capital dessa república bananeira em que se transformou o Brasil, onde o proprietário de um posto de combustíveis estava a vender a gasolina por R$ 9,99 o litro. Isso é caso de polícia, que nada pode fazer porque as viaturas ou estão quebradas ou não têm combustível para rodar.

O que estamos a viver nesses últimos dias é reflexo de décadas de canalhice política e incompetência administrativa. Nos primeiros dias do primeiro governo Lula, afirmei sem medo de errar que o Brasil dava seus passos de estreia rumo à “cubanização”. Por questões óbvias fui duramente criticado, inclusive por jornalistas com quem convivo, sendo acusado de “acelerar demais”. Essa foi a expressão usada contra mim nos primórdios de 2003.

Não tenho vocação para dono de bola de cristal nem sou candidato a profeta do apocalipse, mas prever o que aconteceria com o Brasil dentro de poucos anos exigia pensamento lógico e cartesiano. Bastava entender minimamente de política e economia, além de ter noções básicas de aritmética, para perceber que mais adiante a conta não fecharia.

Lula e seu bando não são os únicos culpados, mas são os principais, porque, obcecados por um plano totalitarista de poder, saquearam o Estado de forma aviltante e simultaneamente abduziram a consciência da opinião pública com o falso discurso de que a prosperidade havia chegado em terras brasileiras para ficar.

Boa parte da imprensa nacional, encantada com as gordas verbas publicitárias de um governo comunista dado às fanfarronices oficiais, muitas vezes fechou os olhos para a dura realidade que se desenhava e que agora se faz presente na vida de cada cidadão.

O Brasil tem sido atingido por uma lufada de dicotomia que brota das pesquisas eleitorais. Cumprindo pena de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro no escopo do Petrolão, Lula, o malando que arruinou a economia e quase mandou a Petrobras pelos ares, lidera as pesquisas de opinião quando o assunto é a corrida presidencial. Inelegível com base na Lei da Ficha Limpa, Lula insiste na sua impossível candidatura, pois seu eleitorado cativo permite essa maluquice.

Quando uma pesquisa eleitoral revela que boa parte da população deseja a volta de um delinquente ao poder central, só resta concluir que o brasileiro é fã do masoquismo político. A difícil situação enfrentada pelo País é reflexo, principalmente, dos desmandos cometidos pelos petistas e seus camaradas, que arrastados pela sanha de permanecer no poder valeram-se de tudo e mais um pouco. Isso só foi possível porque o bandulho da sociedade estava repleto de falsa promessas, cujo prazo de validade acabou depois do fim da farsa.

Michel Temer, o presidente da República, não é o governante dos sonhos nem chegou ao poder a reboque do “bom-mocismo”, mas querer culpá-lo pelo que acontece nesses dias é no mínimo delinquência intelectual. Não tenho político de estimação, assim como não sou filiado a partido, mas continuo a cultuar o compromisso com a verdade dos fatos. O que me permite fazer jornalismo como manda o figurino e dormir com a consciência leva e tranquila.

Mudar a dura realidade nacional exigirá tempo, muito tempo, uma vez que a sociedade concordou com décadas de pataquadas em termos de governança. Um país com 8,5 milhões de quilômetros quadrados, mais de 200 milhões de habitantes e problemas para todos os gostos não pode ser administrado como se o governante estivesse a brincar no fundo do quintal da casa da avó. É preciso competência, dedicação, inteligência e capacitação.

Porém, com o advento do presidencialismo de coalizão, termo encontrado para justificar a corrupção institucionalizada que se esparrama na Esplanada dos Ministérios, falar em competência é pecado mortal. Até porque, quem faz um rasante nos plenários do Senado e da Câmara dos Deputados não demora a perceber que o Brasil está perdido e que o brasileiro adora ser enganado.

Volto no tempo, não muito, e recobro a estúpida decisão do (des)governo de acabar com a Rede Ferroviária Federal. País com dimensões continentais, o Brasil tornou-se dependente do transporte rodoviário, que, é importante ressaltar, não dispõe de rodovias à altura dessa insana dependência.

A Rede Ferroviária, que engrossava a lista dos muitos cabides de empregos oficiais existentes na Botocúndia, deveria ter sido otimizada e profissionalizada, abrindo caminho para o bom senso logístico, mas acabou extinta. Na infância, durante anos seguidos, viajei de trem para o interior paulista com o intuito de visitar meus avós. Várias foram as vezes que fui ao Rio de Janeiro de trem. Liquidaram o romantismo e a lógica daquelas saudosas viagens, apenas porque no Brasil pensar na direção certa é crime.

Após longa temporada vivendo no exterior, retornei ao Brasil com um só objetivo: ajudar a mudar o Brasil. Por questões óbvias e esperadas fui alvo da pilhéria alheia, talvez da maioria das pessoas, que diziam ser eu um sonhador, que deveria arrumar um trabalho, em vez de ficar escrevendo na esperança de mudar o País.

Muitas vezes chamado de chato, jamais deixei de usar o que trouxe na bagagem: o viés ranzinza de alguém que ao longo de muitos anos viveu em países dominados pela lógica, os chamados países de primeiro mundo. Porém, confesso que nessas muitas andanças ao redor do planeta deparei-me com situações tão esdrúxulas quanto as que encontramos diuturnamente por aqui.

Não me arrependo de ter voltado ao Brasil, abrindo mão de uma vida com doses rasas de conforto, mas agora me questiono sobre a decisão tomada. Não porque sonhei o sonho errado, mas porque o brasileiro acostumou-se com o pesadelo. E quando dele se cansa, rapidamente busca alento na teoria détraqué do pretorianismo.

Com os efeitos colaterais da greve dos caminhoneiros ganhando terreno, não demorou muito para que os oportunistas surgissem além da seara mercantil. Políticos velhacos ocuparam a cena com discursos mirabolantes, como se todos fossem parentes de Aladim, o folclórico gênio da lâmpada maravilhosa. Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, que há muito cobiça a principal escrivaninha do Palácio do Planalto, posou como mago e aprovou a isenção do PIS e da Confins sobre os combustíveis até o final do corrente ano.

Néscio conhecido, mas crente que é um ser iluminado, Maia mostrou ao País que seu fraco não é fazer contas. O presidente da Câmara anunciou que o governo federal perderia R$ 3,5 bilhões em arrecadação até o final de 2018, quando na verdade a perda é de R$ 14 bilhões. Isso significa que o Senado terá de derrubar a medida aprovada a toque de caixa no plenário da Câmara dos Deputados. Ademais, será que a classe política só agora desertou para a virulência da carga tributária? Por que ninguém cobra de deputados e senadores a não aprovação da reforma da Previdência?

Em priscas eras, quando o trem percorria despretensiosamente as plagas tupiniquins e o Brasil ainda flanava na pregação embusteira do “país do futuro” – futuro que jamais chegou –, podia-se dizer que a classe política não vale um saco de batata. Hoje, por causa do protesto dos caminhoneiros, essa comparação tornou-se proibitiva e descabida. Afinal, um saco de batata vale muito, os políticos, nada.

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta e fotógrafo por devoção.

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