Tropeços de Bolsonaro no Roda Viva não deixam dúvidas sobre seu despreparo para comandar o País

Entre os muitos valores da democracia, a livre manifestação do pensamento é um dos que merece destaque, mas é inaceitável que isso ocorra de forma acachapante, como se a opinião alheia nada representasse ou o bom senso pudesse ser ignorado. Um regime democrático só existe a partir do equilíbrio de forças, pois do contrário o que se tem é totalitarismo puro e simples, como temos visto ao redor do planeta, seja à sombra do radicalismo da esquerda ou da direita.

Apesar desse conceito basilar da democracia, o Brasil vive um momento sui generis com a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência da República. Ser contra o banditismo político e contra a corrupção não é predicado maiúsculo para alguém sonhar com o mais alto cargo da nação, pois a extensa maioria dos brasileiros também é contra essas transgressões.

Entrevistado pelo Roda Viva na noite de segunda-feira (30), Bolsonaro tropeçou à vontade no programa da TV Cultura, mas seus seguidores ocuparam as redes sociais para desqualificar os jornalistas que entrevistaram o presidenciável do PSL. Nada de novo, pois quando jornalistas criticam a esquerda são alçados ao Olimpo, mas quando ousam apontar o indicador na direção de Bolsonaro, os detratores da honra alheia entram em cena como se estivessem no Coliseu. Esse cenário revela o que o brasileiro coerente deve esperar caso o candidato do PSL seja eleito.

Afirmar que Jair Bolsonaro atropelou os jornalistas é querer fechar os olhos para a realidade, mas cada um tem o direito de acreditar naquilo que lhe convém. Embalado pela obsessão dos convertidos à sua seita – situação idêntica sempre aconteceu e ainda acontece com o PT de Lula – Bolsonaro acredita ser o último gênio da raça, a derradeira salvação do universo, assim como ocorre com seu homólogo americano, o bizarro Donald Trump.


Abordar questões de saúde pública aos pontapés, sugerindo soluções de camelô para problemas crônicos, mostra seu notório despreparo para um cargo de enorme relevância, como a Presidência da República. Bolsonaro tentou mostrar aos jornalistas que dominava o assunto, mas não será à base do improviso que os graves problemas de saúde pública serão resolvidos. Entre idas e vindas, Jair Bolsonaro disse no Roda Viva, ao responder sobre mortalidade infantil, que “muitas gestantes não dão bola para saúde bucal”. Se essa resposta é sinal de preparo de um candidato, alguém precisa explicar o que é despreparo.

Ignorando a História do Brasil, Bolsonaro, ao falar sobre escravidão, responsabilizou os próprios negros pelo tráfico de escravos entre os séculos XVI e XIX. “O português nem pisava na África. Foram os próprios negros que entregavam os escravos”. A declaração foi dada após questionamento sobre apolítica de quotas. Resumindo, o candidato sofre de miopia quando o assunto é História. E a declaração em questão pode lhe custar caro nas urnas.

Em relação à ditadura militar, Jair Bolsonaro disse que isso jamais existiu, assim como não houve golpe em 1964. Não se pode negar que a esquerda tentava o mesmo que os militares, mas a caserna deu um golpe que, na sequência, migrou para uma ditadura truculenta e sanguinária. E que ninguém venha com o discurso pronto e boquirroto que comunista, socialista ou esquerdista precisa morrer, pois isso faz parte da delinquência intelectual típica de muitos direitistas ensandecidos.

Sobre o porte de arma de fogo, Bolsonaro, em tom de deboche, afirmou que o cidadão tem o direito de se defender. “Que guerra é essa que só um lado pode atirar?”, questionou o candidato entrevistado no Roda Viva. Em suma, o Brasil corre o risco de se transformar em um faroeste caboclo, caso o presidenciável do PSL seja eleito, pois todo cidadão que acreditar ser capaz de enfrentar o crime organizado terá de sair às ruas com um fuzil à tiracolo.

Há dois problemas a serem considerados nesse cenário: 1) O bandido, muito mais experiente com armas de fogo, vencerá na maioria das vezes esse embate com o cidadão comum. 2) O porte de arma empresta ao cidadão sensação de poder, abrindo caminho para soluções de problemas menores na base da pólvora.