Dissimulado, Mourão tentou explicar declaração racista, mas a emenda ficou pior do que o soneto

Diz a sabedoria popular que “a palavra é de prata, o silêncio é de ouro”. Mesmo assim, essa regra não vale na política, onde falar, seja o que for, é o que importa. Candidato a vice-presidente da República na chapa liderada por Jair Bolsonaro (PSL), o general reformado Antonio Hamilton Mourão tentou minimizar os efeitos da polêmica afirmação “o Brasil herdou a malandragem dos africanos”.

Como disse certa feita o poeta português Manuel Maria de Barbosa l’Hedois du Bocage, “a emenda saiu pior do que o soneto”, pois Mourão acabou fermentando uma teoria racista que certamente seria condenada por muitos sociólogos do século retrasado.

“Ficou uma interpretação um tanto quanto distinta da ideia que quero passar quando eu toco nesse assunto. Eu lembro sempre nós, brasileiros, somos frutos da amálgama de três grupos: o branco europeu, o indígena que já havia aqui na nossa América e mais dos negros que vieram da África na tristeza que foi a escravidão.”

No primeiro trecho de sua estabanada explicação, o general Mourão, ao falar “tristeza que foi a escravidão”, desautoriza Bolsonaro, que afirmou recentemente, em entrevista, que não há razão para se falar em dívida com os negros africanos, pois não existiu escravidão. E a sua turba de aluguel se empenhou para encontrar na internet informações que respaldasse seu destampatório.

“Ainda existe uma questão de muita gente que gosta de privilégios, aliás, privilégio só não gosta quem não tem”, emendou o general da reserva e candidato a vice. Não se pode tirar a razão de Mourão, mas é preciso que ele convença o seu companheiro de chapa a respeito do tema, pois usar dinheiro público para “comer gente” é privilégio condenável.

O pior tropeço do general veio no trecho a seguir: “Essa questão da malandragem muitas vezes se fala que determinados habitantes de alguns estados do país são malandros. E a questão do cara que gosta de chegar mais tarde, gosta de chegar atrasado”.


A intolerância que estava represada na seara da negritude acabou avançando por todo o País, sem distinção de raça. Classificar como malandro aquele que acorda tarde ou chega atrasado no trabalhou é ser refém da estupidez de um pensamento da caserna que há muito deixou de existir.

Com razoável dose de habilidade, Mourão tentou adotar o estilo “bate e assopra” ao finalizar sua desastrada explicação: “Então é um cadinho da nossa cultura. Em nenhum momento eu quis estigmatizar qualquer um dos grupos até porque somos um amálgama de raças. Não tenho nenhum traço, vamos dizer assim, de branco europeu para querer para estigmatizar alguém”.

Primeiro o general chama os negros de malandros, mas, na esteira da polêmica, estende sua intolerância aos brasileiros de alguns estados da federação e a todos aqueles que acordam tarde. Para quem, vez por outra, fala em democracia, Antonio Hamilton Mourão é a pessoa certa para “meter o pé na porta”, como sugeriu Bolsonaro ao justificar a escolha do seu vice. É de se imaginar o que poderá acontecer, caso Bolsonaro seja eleito, se um político chegar atrasado a determinada reunião com o vice-presidente.

Opinião do editor

Antes que a seita liderada por Jair Bolsonaro tire da prateleira a conhecida sabujice, que via de regra se transforma em ataques rasteiros e marcados pela pieguice, racismo é inaceitável em qualquer situação, mesmo que manifestado por vias transversas e com a ajuda palavras rebuscadas, como forma de dissimulação.

Que ninguém ouse contestar nossas críticas com teorias esdrúxulas e discursos de aluguel, pois é impossível saber o que sente um negro diante da declaração de um intolerante metido a gênio da raça, que para justificar seu besteirol alega que “não tem nenhum traço de branco europeu”. Pior do que a estupidez é o ultraje da desculpa. Mas não se pode esperar muito de alguém que adula torturadores.

Quem faz uma declaração desse naipe sofre de indigência intelectual e deveria prestar contas à Justiça, algo que já teria ocorrido com qualquer reles cidadão. Como Mourão é um general de pijama e o Brasil é o paraíso do “faz de conta”, esse atentado contra a dignidade dos negros há de ficar para as calendas.

O editor teve uma mãe de criação negra, tem irmãos e sobrinhos negros e não admite qualquer insulto dessa natureza. E venha quem quiser à minha porta, com coturnos, canhões, tanques e outros badulaques repressores, pois aqui, negros e brancos, todos temos coragem e a certeza inviolável de que Bolsonaro e Mourão nasceram um para o outro.