Proposta de FHC é boa e necessária, mas tucano pode ter arregaçado o punho de renda tarde demais

Vaidade política e obsessão pelo poder formam uma receita nociva a qualquer país. Não há nação que resista a esse coquetel do absurdo quando políticos desprovidos de espírito público fecham os olhos para uma crise latente, mas decidem despertar para a realidade em cima da hora, talvez com atraso injustificável.

É o que fez o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na quinta-feira (20), ao divulgar carta invocando candidatos centristas para evitar um mal maior para o Brasil. FHC refere-se à absurda polarização que tomou conta da corrida presidencial e que pode levar o País de volta aos tempos de obscurantismo democrático.

Fernando Henrique sabe que desde a fundação o PSDB é uma legenda marcada pela cizânia, mas trinta anos não foram suficientes para que o ex-presidente e agora acadêmica percebesse esse cenário. Em vez de costurar nos bastidores uma solução para esse racha, FHC há muito contempla o burburinho como se fosse a Mona Lisa do tucanato.

Ciente de que a corrida presidencial poderia acabar no cenário atual, o ex-presidente sequer se mexeu para evitar o pior. É impensável uma disputa eleitoral com pelo menos cinco candidaturas de centro. Ou cada um desses candidatos é um poço de soberba, ou na politica brasileira continua sobrando vaidade e faltando espírito público.

Política não se faz política à sombra do populismo nem na esteira da fanfarronice. E os presidenciáveis que lideram as pesquisas eleitorais não fogem desse cenário. Um flerta com o extremismo direitista, outra acena insistentemente para o radicalismo esquerdista. Quem pensa que o Brasil sairá da grave crise em que se encontra e resolverá seus problemas com as fórmulas de Bolsonaro e Haddad deve se preparar para o pior.


Faltando menos de vinte dias para o primeiro turno da eleição presidencial, querer reunir os candidatos chamados centro-democratas no entorno da candidatura de Geraldo Alckmin é não estar disposto ao diálogo. Se o propósito é impedir o retrocesso que todos sentem-se à mesa para buscar uma solução conjunta, sem direito a imposições desse ou daquele. Ao sugerir que a união dos candidatos contrários ao radicalismo deve ter Alckmin como epicentro, FHC ousa ser o dono da batuta. Fica calado e submerso durante muito tempo, mas no apagar das luzes ressurge para tentar assumir o protagonismo.

Nenhum candidato à Presidência da República tem condições de resolver os muitos problemas nacionais com a facilidade que vem sendo anunciada aos bolhões, pois a realidade do País aí está para quem quiser conferir. Porém, ser enganado é uma questão de escolha.

O Brasil precisa de um governo sério e comprometido, que saiba lidar com a realidade política do País. Afirmar que “pé na porta” de gabinete resolve qualquer problema ou convence esse ou aquele parlamentar é prenúncio de ditadura. Os brasileiros precisam ter consciência que os anos vindouros serão difíceis e de transição, exigindo de cada cidadão uma dose de sacrifício. Ou pensa-se nessa direção e aceita-se essa realidade, ou manda-se tudo pelos ares.

Nos programas eleitorais e nos debates entre presidenciáveis, os candidatos têm falado sobre reformas disso e daquilo. É fato que várias reformas são necessárias e urgentes, mas a primeira delas deve ser a do espírito público, que precisa ser acompanhada do desprendimento. Não sendo assim, o Brasil está fadado a ir pelo ralo da história.

A intenção de Fernando Henrique Cardoso, assim como a de outros notáveis democratas, é boa, mas tardia. Fernando Henrique deveria ter acordado antes, largado o fardão para trás de lado e arregaçado os punhos de renda em nome da democracia. Há quem diga que deveria ter alinhavado com Lula, antecipadamente, um plano suprapartidário para evitar o retrocesso que desponta no horizonte verde-louro.

Soberbos e sempre autoconfiantes, FHC e Lula deixaram o destampatório político correr solto. O resultado todos conhecem. Dizem que Deus é brasileiro. Pois então, chegou a hora de Ele mostrar a certidão de nascimento.