Gatos gordos, cães famintos ou a cultura da mucosa

(*) Ipojuca Pontes

A cultura oficial brasileira, amparada numa burocracia parasitária de proporções paquidérmicas, vive de cevar, há mais de cinco décadas, monstruosos gatos gordos e insaciáveis cães famintos. A cada ano, em detrimento de uma população crescentemente marginalizada, são despejados incalculáveis bilhões de reais (ou dólares) nas algibeiras de milhares e milhares de falsos artistas, pseudoacadêmicos, grafomaníacos, “cineastas de (e sem) prestígio” picaretas de toda ordem, professores universitários, produtores culturais, promotores de festivais e shows milionários, amostras, cursos e eventos descartáveis em escala inimagináveis. Falei acima em desperdício de incalculáveis bilhões, mas o fato é que a cultura oficial brasileira é uma caixa preta de fundo infinito.

Aqui, não se ouve falar na conquista de um Prêmio Nobel de Literatura ou de ciência, na obtenção de um mero e desmoralizado Oscar ou na láurea de uma esquálida Palma de Ouro. (A única, obtida em 1962, foi produto do trabalho isolado de um ex-porteiro de cinema e do talento pessoal de um galã de chanchadas da Atlântida, Osvaldo Massaini e Anselmo Duarte, respectivamente, ambos desprezados pela intelectuária cabocla).

No entanto, em contraposição, basta abrir um reles jornal de bairro e nele se encontrarão dezenas de membros da corporação exigindo milionárias verbas públicas para consecução de seus projetos pessoais. A chave mágica para se abrir (ou arrombar) os cofres do governo é, no jargão da casta privilegiada, “a busca da identidade nacional” entendida como a busca voraz de verbas para intensificar a manipulação ideológica e política de minorias mistificadas – e se dar bem com dinheiro fácil saqueado do bolso do contribuinte. Daí, óbvio, o domínio absoluto dos corruptos partidos políticos das esquerdas no mando da nação. O álibi da “identidade nacional” funciona com o um pretexto para quem vomita em cima do conceito do estado-nação, se aferra na manha do multiculturalismo e nos avatares do politicamente correto.

Nos últimos tempos, a picaretagem acadêmica esquerdista industrializa, inicialmente como forma de abordagem crítica de um texto literário (e não apenas literário visto que toda existência seria visto como “um livro” a ser interpretado) pelo viés do alucinante “desconstrucionismo”, uma embromação do marxismo cultural articulado para desmantelar a cultura tradicional. Um desses acadêmicos picaretas tentou “desconstruir” o Hamlet, de Shakespeare, em Londres, e acabou levando uma sova. Literalmente.

A ideia de institucionalizar o engajamento cultural como instrumento da “luta de classes” ganhou força na era stalinista com Andrei Jdanov, o ideólogo membro do Comitê Central do Partido Comunista Soviético, mentor e porta-voz do “realismo Socialista”, uma abominação que tinha como princípio básico comprometer a criação artística para a formação do “espírito socialista das massas”. Quando aportou no Brasil a partir dos anos 1930, financiado pelo Komintern (agenciador do célebre “ouro de Moscou”) o jdanovismo foi adotado como artigo de fé pelos dirigentes do partido Comunista Brasileiro e levado até às últimas consequências por intelectuais militantes tais como Astrogildo Pereira, Dalcídio Jurandir, Camargo Guarnieri, Osvaldo Peralva, Moacir Werneck de Castro, Alex Viany (codinome de Almiro Fialho), Nelson Pereira dos Santos e Jorge Amado (este, acabou largando o PCB após descobrir, horrorizado, que “as ditaduras de esquerda são mil vezes piores do que as de direita”).

Com a morte de Stalin e o degelo kruscheviano, os comunistas largaram o leninismo e adotaram (nos anos 1960) o modelo traçado pelo corcunda Antonio Gramsci, cuja estratégia consiste em “ocupar os espaços” para criar um “novo senso comum”. De fato, examinando a coisa direitinho, os esquerdistas não conseguiram mudar os sentimentos do povo brasileiro, que continua a acreditar em Deus, pátria e família. Mas hoje eles detêm por completo o aparelho do Estado e o controle das instituições culturais e sua burocracia perfeitamente mancomunada com as corporações vermelhas operando nas universidades, nas escolas, nas artes em geral, nas distintas mídias e, em particular, com domínio total, na mídia impressa. De intelectuais de “miolo mole” até jornalistas formados nos sombrios desvãos da KGB, todos querem a “presença do Estado” que lhes garanta, de forma permanente, a boa vida de gatos gordos espreguiçados em coxins macios. Ou, quando não, em metáfora crua, o ladrar feroz de cães famintos que não querem, sob nenhuma hipótese, largar o osso.

Sei do que estou falando por que os conheci defronte e por trás do balcão.

PS – Mucosa: em geral, refere-se a membrana umedecida por secreções que recobrem camadas orgânicas, entre elas, o interior da genitália feminina.

(*) Ipojuca Pontes, ex-secretário nacional da Cultura, é cineasta, destacado documentarista do cinema nacional, jornalista, escritor, cronista e um dos grandes pensadores brasileiros de todos os tempos.