Eu e Fernando Haddad somos homônimos por sobrenome, mas parônimos em termos ideológicos

(*) Ucho Haddad

“Que tempos são estes em que temos que defender o óbvio?” (Bertolt Brecht)

Sou e sempre fui independente como jornalista porque não aceito ser tutelado. Aliás, jamais aceitei cabresto ideológico e profissional. Na arrasadora barafunda em que se transformou o Brasil, que agora flerta com o neofascismo como se isso fosse normal e aceitável, qualquer opinião divergente do lugar comum é alvo de ataques torpes. Ignaros valem-se da delinquência intelectual para fustigações descabidas, sempre com o propósito de salvar a imagem de alguém igual ou aquém.

No Brasil atual, fazer contraponto a Jair Bolsonaro é sentença de morte. Ou o cidadão adere à seita liderada pelo presidenciável, ou aceita correr o risco de ser atacado virtual ou fisicamente a qualquer momento. Eis a democracia que a turba bolsonarista defende, apenas porque a ordem do dia é ser contra o petismo. E quem ousar descumprir a ordem que se prepare.

Garante a nossa Carta Magna que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (CF, artigo 5º, inciso IV). Contudo, para essa escumalha o preceito constitucional pouco importa, já que qualquer opinião contrária ao mantra facinoroso é motivo para manifestações violentas e descabidas. Em suma, ou é a favor de Bolsonaro ou é cabra marcado para morrer.

É direito de cada cidadão escolher em quem votar, assim como é meu direito informar a verdade. Afinal, essa é a função do jornalista. Também tenho direito à crítica, desde que com responsabilidade e baseada na realidade dos fatos. E não abrirei mão dos meus direitos, mesmo diante das ameaças e dos ataques dos aduladores da versão tupiniquim do “Exterminador do Futuro”.

Nos dias atuais, verdade é tudo aquilo que interessa a Bolsonaro e sua súcia, mesmo que seja uma arrasadora mentira. À sombra da teoria de Goebbels, o chefe da propaganda nazista, repetirão milhões de vezes e farão da mentira uma perene verdade. Assim tem sido o eixo da campanha do “James Bond de Pindorama”.

Disse o filósofo francês Jean-Jacques Rousseau, “as injúrias são as razões dos que não têm razão”. Quem me ataca de forma pestilenta, como se torvelinho fosse, o faz ciente de que minha trajetória profissional me dá razão e endossa minhas críticas a Bolsonaro. A questão é que reconhecer a coerência dos meus textos é fazer um haraquiri em meio ao estouro de uma chusma que se movimenta como manada em fúria.

O que resta a esses seres movidos pela estupidez e pelo pensamento binário? Desconstruir minhas críticas ao “Rambo da Botocúndia”. Como não há como desmontar o raciocínio lógico de minhas análises, algo que já foi comprovado por cientistas políticos, a saída é tentar associar-me a Fernando Haddad, presidenciável do PT. E para tal usam como conexão a coincidência do sobrenome.

Nesse ponto entra em cena a amnésia de conveniência. Quem me ataca por certo acompanha o meu jornalismo há muito e sabe que durante treze anos fui crítico duro e ácido do PT, sem perder a ética e a responsabilidade. Sabem também meus detratores que muitos “companheiros” estão atrás das grades porque, na esteira da determinação e da coragem, denunciei o esquema de corrupção que tornou-se conhecido como Petrolão. Não fosse assim, estariam todos lá a dilapidar o patrimônio público.

Fernando e eu, Ucho, carregamos o sobrenome Haddad. Eu, com muito orgulho. Ele, Fernando, certamente é orgulhoso em relação ao Haddad. Apesar da coincidência do Haddad, Fernando e eu não somos parentes, nem mesmo de longe, nem em sonho. Essa hipótese só existe no pensamento mais virulento do direitista covarde, que por discordar dos meus escritos não sabe como me atacar.

De origem bíblica, Haddad é um nome comum no mundo árabe e significa “ferreiro”, aquele que trabalha com fundição de ferro. O que explica o fato de existir uma infinidade de pessoas ao redor do planeta com esse sobrenome. Haddad para lá, Haddad para cá, Fernando e eu somos parentes apenas porque passei a criticar Bolsonaro? Quanta idiotice por parte dos seguidores de um candidato que não tem o que apresentar, exceto o discurso do antipetismo.

Quando a maledicência assume o papel de majestade, não há o que faça uma pessoa a mudar de ideia. Até mesmo pessoas minimamente esclarecidas preferem a covardia que embala uma mentira, quando deveriam ater-se à grandeza de uma verdade.

Fernando Haddad é neto de Cury Habib Haddad, que nasceu no Líbano e tornou-se líder religioso da Igreja Ortodoxa Grega de Antioquia. Cury Haddad teve papel de destaque no Líbano na luta contra o domínio francês, logo após a 1ª Guerra Mundial. O que não é pouca coisa.

Eu, Ucho Haddad, sou neto de Camillo Haddad, nascido na Síria em 10 de agosto de 1904. Meu avô mudou-se para o Brasil e naturalizou-se brasileiro em 15 de janeiro de 1934. Escolheu a cidade de São Paulo como destino e passou a viver no bairro de Vila Prudente, na Zona Leste da capital paulista.

Médico dos bons, “comme il faut”, Camillo Haddad não demorou para conquistar a simpatia dos moradores da região. Atendia de graça em seu acanhado consultório na Praça Padre Damião, ao pé da Rua do Orfanato, e quando o paciente não tinha recursos para comprar os medicamentos que prescrevia, tirava dinheiro do bolso para garantir o tratamento. Não se trata de folclore, pois em muitas ocasiões fui testemunha ocular desse traço magistral de sua personalidade.

Tive o privilégio de conviver com um homem extraordinário, de quem me orgulho até hoje, e que muito me ensinou até o dia em que se despediu da vida, sempre tratando a todos com fidalguia e lhaneza, algo que jamais lhe faltou. Talvez por isso conquistou o coração de uma pianista esguia e de olhos verdes (ao cair da tarde se acinzentavam) filha de libaneses.

Sua inteireza de caráter e sua bondade sempre foram reconhecidas pelos moradores do bairro, mas após sua morte as autoridades da maior cidade do País repetiram o gesto. Há décadas, uma rua da capital paulista leva o seu nome. Recentemente, o governo de São Paulo homenageou-o ao batizar uma estação do Metrô paulistano com seu nome.

Fernando e eu somos Haddad, não há como negar. Ele é político e candidato pelo PT, eu, jornalista político e sem filiação partidária. Fernando defende aquilo que acredita, o Ucho critica aquilo que discorda. Não desejo o mal a Fernando, espero que a recíproca seja verdadeira, mesmo sem conhecê-lo.

Sobre os que me atacam covardemente e porventura têm o sobrenome Silva, manterei a coerência como jornalista e o equilíbrio como ser humano, sequer aventando a hipótese de que todos esses [os Silva] são corruptos, lavadores de dinheiro e ladrões.

Salaam Aleikum! Para quem continua acreditando que todo árabe é terrorista – ou que eu e Fernando somos parentes – que a paz de Deus esteja com você. Bismillah!

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.