Após “passa-moleque” de Jair Bolsonaro, médicos preferem a pequenez e o silêncio obsequioso

(*) Ucho Haddad

Há algo estranho no reino de Jair Bolsonaro, que após deixar o hospital insiste em provar que sua fama de insubordinado enquanto militar não era folclore. No contraponto, seus seguidores continuam firmes na tentativa de transformar o presidenciável do PSL em um quase mártir, pois a ementa do momento é colocar o segundo pé do intolerante na parte mais baixa da rampa do Palácio do Planalto, pois o outro lá já está. E depois salve-se quem puder!

Tudo vem sendo tentado para explicar a decisão covarde de Bolsonaro de não participar dos debates do segundo turno. Desde a alegação torpe de que Fernando Haddad é pífio como candidato até a tese esdrúxula de que Bolsonaro é o rei da oratória. Se Haddad é pífio, cada um tem o direito de pensar o que bem entender, mas que Bolsonaro é uma ode à toleima, tenho certeza.

Em 25 de setembro passado, faltando poucos dias para Jair Bolsonaro deixar o Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, o médico-cirurgião Antônio Luiz de Vasconcellos Macedo afirmou que o candidato estava em “ótimas condições”, cabendo a ele [Bolsonaro] decidir sobre sua agenda de campanha. “Logo ele se recupera, e ele mesmo decide o que ele vai fazer (sobre participar ou não dos debates)”, disse Macedo.

Naquela data, questionado sobre a possibilidade de a equipe médica recomendar a Jair Bolsonaro não comparecer aos debates, o cirurgião mais uma vez disse que não. “Não, não (vai ter recomendação médica para ele não participar). Depende apenas se ele estiver se sentindo bem. Veja bem, foi uma tentativa de assassinato. Não foi uma facada de um louco, foi uma facada de um assassino. O cara girou a faca dentro dele”, declarou.

Na última quarta-feira, 10 de outubro, os médicos Vasconcellos Macedo e Leandro Echenique (cardiologista) examinaram o presidenciável, no Rio de Janeiro, e informaram à imprensa que Bolsonaro terá alta para atividades públicas de campanha a partir do dia 18. “Com certeza ele terá condições na semana que vem”, afirmou Macedo.

“Só com essa segunda cirurgia que eu fiz, ele perdeu muita massa muscular, porque é um homem magro. Vamos fazer, agora, uma intensa recuperação nutricional proteica. É preciso repor isso antes de qualquer situação de estresse.”

“Ele ainda tem anemia, que está em recuperação. Ele está evoluindo bem, porém não é o momento ainda de uma liberação completa. Não pode fazer viagens, não pode fazer uma atividade física mais prolongada”, afirmou Echenique.

“Ele tem o desejo de participar [de campanhas], mas realmente, neste momento, perante a avaliação que fizemos aqui, consideramos que não é o momento ideal de voltar com as atividades que ele tinha normalmente. Lembrando que faz pouco mais de um mês só, 34 dias, que ele sofreu a facada”, declarou o cardiologista.

Que nove entre dez médicos têm certeza de que são deuses todos sabem, mas afirmar que em uma semana Bolsonaro estará recuperado é excesso de presunção. Quiçá não seja um discurso afinado, pois, coincidência ou não, a cúpula da campanha do candidato do PSL já havia decidido, dias antes do tal exame médico realizado na capital fluminense, que Bolsonaro participaria apenas dos dois últimos debates.

Após o veto dos médicos à sua participação em atividades de campanha e nos debates, Bolsonaro deu um desconcertante drible nos profissionais da Medicina que diante dos jornalistas se desdobraram em explicações para justificar o que horas depois tornou-se injustificável.

Na quinta-feira (11), como noticiado, Bolsonaro participou de evento na Barra da Tijuca (RJ) com deputados federais e estaduais eleitos pelo PSL e por legendas coligadas. Durante o encontro, o presidenciável não demonstrou cansaço nem qualquer tipo de incômodo com a bolsa de colostomia, como alegam seus seguidores nas redes sociais. Aliás, há um sem fim de brasileiros que usam bolsa de colostomia e levam vida normal. Mas Bolsonaro é o herói do momento.

“Miserável país aquele que precisa de heróis”. (Bertolt Brecht)

No mesmo evento, Jair Bolsonaro, com o tom debochado que lhe é peculiar, declarou que poderá não participar dos dois últimos debates, mesmo que liberado pelos médicos. Alegou tratar-se de estratégia política. O que o candidato considera estratégia, em regimes democráticos esse comportamento é rotulado como covardia.

Bolsonaro está no supedâneo por conta dos quase 50 milhões de votos conquistados no primeiro turno, mas não pode ignorar os mais de 110 milhões de eleitores restantes que não lhe confiaram votos, nem os 208 milhões de brasileiros. Por isso tem o dever moral de participar dos debates, mas sua covardia não permite. E não se pode esquecer que aquele que chega ao pináculo na esteira da soberba não demora a cair.

Quanto aos tais médicos, que como sempre se lambuzam na viscosa e turva calda da vaidade, aceitaram passivamente o “passa-moleque” do candidato. Renderam-se à pequenez ao optar por um silêncio obsequioso e vexatório, como se as proezas profissionais que exalam mundo afora fossem poucochinhos, meras fancarias.

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.