A democracia está ameaçada, mas aos jornalistas cabe o papel de informar e o dever de resistir

(*) Ucho Haddad

“Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca.” – Darcy Ribeiro

A democracia no Brasil está acintosamente sob ameaça. Engana-se quem pensa diferente. Engana-se quem acredita que Jair Bolsonaro é um devoto da liberdade e do Estado de Direito. Seu discurso adocicado às pressas não passa de um embuste para garantir votos e consumar sua eleição à Presidência da República.

Engana-se quem acredita que são verdadeiros seus recuos em relação a determinadas declarações, sempre absurdas e marcadas pelo retrocesso. São engodos para evitar a debandada daqueles que ainda não estão plenamente convencidos de que a fórmula “força sem liberdade” é a melhor solução para os problemas do País.

Quando a democracia corre perigo, como agora, à imprensa cabe o dever de mostrar a realidade como ela é, nua e crua. Sem rapapés, sem ziguezagues. Esse é o papel do jornalismo livre e independente. Não se trata de pender para o lado desse ou daquele candidato, dessa ou daquela ideologia, como sugere uma maioria ensandecida que não pensa, que não consegue enxergar o futuro com a clareza necessária.

Os ataques físicos e virtuais a jornalistas que cobrem as eleições brasileiras são descabidos e inaceitáveis. A nossa Carta Magna garante o direito à livre manifestação do pensamento e à liberdade de imprensa. As ofensas aos profissionais de imprensa nas redes sociais, como os que nós do UCHO.INFO temos sofrido, configuram um ato de covardia sem precedentes.

Ou escreve-se a favor de Bolsonaro, o James Bond de Pindorama, ou deve-se estar preparado para suportar a fúria de uma turba ignara que recorre ao binarismo de um pensamento raso e tosco. Afinal, se os petistas cometeram erros, Bolsonaro também pode cometê-los. Isso é suficiente para justificar qualquer ataque ao primeiro jornalista que ousar desrespeitar a ordem. O desvario é tamanho, que há quem defenda que os ataques sejam proporcionais às críticas.

Ao longo de quase quarenta anos de jornalismo político, jamais participei de eleição tão polarizada e odienta. Nunca vi tanta mentira esparramada aqui e acolá, apenas para vender um candidato que é invendável. Nunca vi tamanha falta de propostas. Nunca vi tanta gente votando contra. Nunca vi tão pouca gente votando a favor. A favor do Brasil, a favor do futuro, a favor de si mesmo, a favor das próximas gerações.

Desde que a disputa pelo poder central passou a tomar conta das conversas do cotidiano, tenho questionado as pessoas que estão a votar contra se em algum momento pensaram em votar a favor de algo. Em todas as incursões fiquei sem resposta.

O mote do momento é a necessidade de renovação, mas o líder das pesquisas é um velho na política. Isso, em tese, permite pensar que é mais do mesmo. Tomara fosse assim, pois seria fácil lidar com o que já conhecemos. O problema é que teremos de lidar com um oportunista que brotou em meio a esse fétido universo da mesmice, mas que tem reduzida capacidade de realização. Não obstante, apresenta-se como o derradeiro salvador do universo.

Assumidamente despreparado, o que não preocupa seus eleitores, pois o mais importante no momento é ser contra o petismo, Bolsonaro tem-se mantido no topo das pesquisas de opinião por causa do populismo barato que arrasta multidões. Finda a eleição, surgirá um vazio capaz de produzir as mais inesperadas reações por parte da sociedade. E nesse rastro de incerteza, salve-se quem puder.

Causa preocupação a enorme dicotomia entre o que foi prometido de maneira irresponsável para garantir a eleição e aquilo que será entregue aos eleitores. Se é que algo consistente e viável será entregue. A lua de mel entre eleitores e eleito dura em média quatro meses, mas no caso de Bolsonaro esse prazo de validade poderá ser ampliado em dois meses, nada além disso. Temendo pelo futuro, o candidato adotou de forma antecipada o discurso da herança maldita.

Bolsonaro é um oblato que eleitoralmente se vendeu como personificação da solução, sem qualquer pejo. Diante desse cenário, estará disposto a tudo para manter a farsa. Àqueles que se opõe ao que aí está e àqueles que mostram a verdade como realmente é, os tempos atuais e futuros mostram-se sombrios, perigosos e incertos.

O prenúncio da morte da democracia se dá com ataques à imprensa, algo que vem ocorrendo de maneira sistemática e alternada. Ora fica a cargo do quase eleito, ora a cargo dos seus eleitores, sem pausa. Isso significa que a democracia brasileira caminha aos tropeços à beira do precipício, podendo despencar a qualquer momento. É preciso resistir desde já, apesar do movimento contrário que fermenta e há de crescer de agora em diante. É necessário cautela redobrada, sem receio de avançar.

Muitos creem que nosso jornalismo será esquecido porque somos críticos de alguém que está a anos-luz de ser aquilo que diz ser. Não perco o sono, pois essa cantilena ouvimos no começo da era petista. Não demorarão muito para perceber que mesmo o nosso ofício sendo o jornalismo, o nosso preço é a verdade.

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.