A vida começa aos 60 e pela primeira vez ao longo dessas décadas peço um presente

(*) Ucho Haddad

Há quem diga que ato falho não existe, mas acabo de cometer um. Talvez não tenha sido um ato falho, mas um gesto automático resultante do preenchimento de tantos formulários cibernéticos que exigem a data do nascimento. Como em nossa base de dados os artigos são arquivados por data, ao digitar 30.10.2018, data do presente artigo, acabei por digitar 30.10.1958. Tudo certo, apesar de errado. Aliás, nada errado, tudo certo.

Sessenta anos não é pouca coisa, mas sinto que tenho garra para fazer mais, muito mais. Não sou um menino, reconheço, mas o desejo de criar e a disposição para levar adiante a criação me fazem jovem. E assim espero ser e estar até o último suspiro. Às vezes tenho vontade de largar a pena e mandar tudo pelos ares, mas a vontade logo passa e a gana de lutar volta com mais força.

Como escrevi, 60 anos não é pouca coisa. Voltando no tempo, quando tudo era diferente e mais calmo, sequer imaginava que pudesse chegar a essa idade. Acreditava ser essa uma etapa inatingível. O calendário avançou sem que percebesse e cá estou com seis décadas de estrada. Tropeços, machucados, erros, aprendizados, mas o saldo é e sempre será positivo. Afinal, sou o melhor produto dos meus próprios erros. Ainda bem, pois minha chatice seria maior se ousasse ser perfeito – mas teimo em superar a mim mesmo.

A vida começa ao 60. Você que agora está a ler esse texto pode pensar que sou louco ao afirmar isso, mas tenha certeza que de perto ninguém é normal. E aos 60 dou-me o direito de ter momentos ditos “fora da casinha”, apesar de ser um coerente incorrigível, um chato de galocha quando o assunto é coerência. Mas hoje eu faço 60 anos e a coerência que vá às favas.

A vida começa e recomeça todos os dias, a todo instante. Por isso comemoro o aniversário a cada raiar do Sol, o nosso astro-rei. Ora, se Roberto Marinho, o Doutor Roberto, criou a “Rede Globo” aos 60 anos, por qual razão não posso acreditar que a vida começa aos 60?

Sim, a vida começa aos 60, mesmo não sendo eu dono da Globo. Sou parte do UCHO.INFO – que criei há dezessete anos –, o UCHO.INFO é parte de mim. Aliás, é boa parte de mim, o ar que respiro, minha razão de viver. Seguirei assim, dedicando-me de corpo e alma àquilo que acredito.

Mas não é apenas nisso que acredito. Acredito que é preciso olhar para frente, para o próximo. Essa coisa de acreditar que o próprio umbigo é uma piscina olímpica não combina com minhas crenças. Meu mantra de vida passa obrigatoriamente pela aritmética da alma: quanto mais se divide, mais se multiplica. Se a multiplicação deixar de acontecer, paciência. O importante é viabilizar a divisão. Quem me conhece sabe que sou assim e não quero me corrigir. Sob o espectro desse mundo mesquinho de hoje, quero continuar errando.

Ao longo desses 60 anos, jamais me preocupei com presente. A vida por si só é um presente, estar vivo é um presente. Mas hoje, ao fazer 60 anos, peço um presente àqueles que pensam como eu, que acreditam na magia que é estender a mão ao próximo.

Como cantou Sebastião Rodrigues Maia, o genial, saudoso e insubstituível Tim Maia, “de jeito maneira / não quero dinheiro / quero amor sincero / isto é que eu espero / grito ao mundo inteiro / não quero dinheiro / eu só quero amar.”

Quero amor sincero e ao próximo, isto é o que espero de quem pensa como eu, grito ao mundo inteiro para apenas e tão somente ajudar um leitor que não conheço, a não ser virtualmente, e que luta com bravura pela vida e corajosamente contra uma combinação de doenças que com teimosia o desespera e desanima.

Como cantou Tim, “de jeito maneira não quero dinheiro”. Porém, quem quiser me presentear, se é que mereço, pode ajudar o meu leitor que, decidido a abreviar a vida, há dias suspendeu a decisão para conceder-me um voto de confiança. Ou seja, deu-me um presente, sem papel de embrulho e sem direito a laço, mas com o cronômetro acionado.

Lutador convicto que sou, não posso perder essa batalha, principalmente ao 60, quando a vida de fato começa. E se a minha vida está começando, a dele não pode acabar. Quem quiser e puder me dar esse presente, repassarei o contato da família do leitor, cuja saúde é a minha missão do momento. Muito obrigado a todos, muito obrigado a cada um, hoje e sempre.

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.