Bolsonaro ignora a laicidade do Estado, insiste no populismo e diz que Deus capacita os escolhidos

Nada pode ser mais tosco, populista e apelativo do que misturar política e religião. E é exatamente nessa toada que o presidente eleito Jair Bolsonaro tenta minimizar sua acachapante incompetência, que durante a campanha eleitoral foi camuflada pelo discurso do ódio e da intolerância. Diante disso, somente os desavisados podem acreditar que um governo baseado nessa fanfarronice tem chances de dar certo.

Foi com a frase “tenho certeza de que não sou o mais capacitado, mas Deus capacita os escolhidos” que Bolsonaro começou seu discurso no culto na Assembleia de Deus Vitória em Cristo, na Penha, zona norte do Rio do Rio de Janeiro, na noite de terça-feira (30).

Coincidentemente, foi na mesma igreja, do pastor Silas Malafaia, que Bolsonaro e Michelle se casaram há 11 anos, em celebração feita pelo próprio religioso – que recebeu o presidente eleito. Logo após dizer que considera-se o escolhido de Deus, Bolsonaro disse que o momento é especial por estar ao lado de Malafaia, que realizou o seu casamento. “Chorei muito naquele dia e também chorei muito depois das eleições. Quero agradecer a esse povo de Deus pela confiança depositada em meu nome”, afirmou.


“O Malafaia falou que pirou [sobre Bolsonaro ser presidente]; e eu também pensei que pirei naquele momento. Mas nós temos que buscar mudar as coisas. Não basta apenas reclamar. Eu tinha tudo para não chegar: um partido pequeno, sem fundo partidário, sem televisão, com 90% da grande mídia batendo na gente. Fui acusado do que eles são: de calúnia, difamações, mas eu escolhi um slogan para a campanha. Eu fui na Bíblia, que alguns dizem que é caixa de ferramenta para consertar o ser humano, fui lá em João: Conheceis a verdade e a verdade vos libertará”.

Beira o dramalhão esse comportamento de Jair Bolsonaro, pois seu discurso não coaduna com declarações marcadas pela intolerância, como as dirigidas aos negros, mulheres, homossexuais e minorias. Falar em nome de Deus, violando um dos dez mandamentos, ao mesmo tempo em que sequer respeita o próximo e suas escolhas, é no mínimo contraditório.

Sobre a declaração de que tem certeza de “não ser o mais capacitado, mas Deus capacita os escolhidos”, Bolsonaro apela ao proselitismo barato para justificar sua conhecida incompetência, amenizando antecipadamente os tropeços de um governo que começou errado muito antes da estreia oficial.

É inaceitável que um presidente eleito que está a poucas semanas de assumir o comando do País ignore o texto constitucional, que define de maneira clara e inequívoca a laicidade do Estado, mas insiste na questão religiosa e nos valores da família cristão, como se isso fosse uma regra a ser seguida por todos os cidadãos, sob pena de serem considerados excluídos aqueles que não se submeterem a essa lavagem cerebral no âmbito da fé.