Moro implode discurso moralizador ao afirmar que Bolsonaro já esclareceu caso do ex-assessor do filho

Indicado para comandar o Ministério da Justiça e da Segurança Pública no governo de Jair Bolsonaro, que estreia oficialmente em 1º de janeiro, o ex-juiz Sérgio Moro adotou um discurso típico de xerife de faroeste antes de assumir o posto. O que preocupa sobremaneira, pois seu palavrório indica que o Brasil pode viver um período sob o manto de um Estado policialesco.

Teorias à parte, Moro viu seu ambicioso projeto sofrer rachaduras ao ter de defender o futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, réu confesso em caso de caixa 2, e mais recentemente Jair Bolsonaro, cuja esposa foi destinatária de um cheque no valor de R$ 24 mil, depositado pelo ex-assessor de um dos filhos do presidente eleito, no escopo de um escândalo que ainda carece explicações.

Relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apontou movimentação atípica, no valor de R$ 1,2 milhão, entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, em uma conta bancária do ex-policial militar Fabrício José Carlos de Queiroz, ex-assessor do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).

Na segunda-feira (10), Moro manifestou-se pela primeira vez sobre o caso que vem preocupando sobremaneira os generais que integram o núcleo duro do futuro governo Bolsonaro. O ex-juiz, que parece ter esquecido a forma como lidava com os réus da Lava-Jato que passaram pela 13ª vara Federal de Curitiba, disse que Bolsonaro “já esclareceu a parte que lhe cabe no episódio”.

“Sobre o relatório do Coaf sobre movimentação financeira atípica do senhor Queiroz, o senhor presidente eleito já esclareceu a parte que lhe cabe no episódio. O restante dos fatos deve ser esclarecido pelas demais pessoas envolvidas, especialmente o ex-assessor, ou por apuração”, disse Sérgio Moro.

No entanto, Moro disse que não tem “esse papel” de comentar ou de interferir em casos específicos. “O ministro da Justiça não é uma pessoa para ficar interferindo em casos concretos”, afirmou. “Vou colocar uma coisa bem simples. Fui nomeado para ministro da Justiça. Não cabe a mim dar explicações sobre isso. Eu acho que o que existia no passado de um ministro da Justiça opinar sobre casos concretos é inapropriado”, afirmou o futuro ministro.


Pressionado por seu staff a dar explicações, o presidente eleito disse, após alguns dias de silêncio, que o cheque depositado na conta da sua esposa, Michelle Bolsonaro, era referente ao pagamento de empréstimo concedido ao ex-assessor do filho. Jair Bolsonaro afirmou que o valor total do empréstimo é de R$ 40 mil.

Se Bolsonaro de fato emprestou o mencionado valor a Fabrício Queiroz, que comprove a transferência dos recursos ao ex-assessor de Flávio Bolsonaro, acabando de vez com as especulações que desde já contaminam um governo que sequer começou. Do contrário, as suspeitas tendem a fermentar e a provocar desdobramentos indesejáveis.

Flávio Bolsonaro, por sua vez, disse que ouviu do ex-assessor “explicação plausível” acerca da movimentação bancária atípica, mas não revelou o que foi revelado por Fabrício, que segundo o parlamentar deverá falar somente às autoridades. Flávio Bolsonaro limitou-se a afirmar que Fabrício é de sua confiança e que o conhece há mais de dez anos. Essa declaração ano explica o imbróglio, mas joga mais fumaça sobre um episódio cada vez mais nebuloso.

Fabrício de Queiroz, que já deveria ter esclarecido os fatos, simplesmente adotou silêncio estranho e obsequioso, como se estivesse aguardando ordens superiores para “soltar a voz”. Muitos dos saques feitos por Fabrício foram equivalentes em valor a depósitos feitos nas mesmas datas, o que sugere que sua conta bancária era de “passagem”.

Uma das hipóteses levantadas com base no relatório do Coaf é que os valores depositados na conta de Fabrício de Queiroz eram parte dos salários dos servidores do gabinete de Flávio Bolsonaro. Essa prática é comum no Legislativo, mas é ilegal, ou seja, crime. Esses recursos normalmente servem para custear campanhas políticas ou são entregues ao titular do mandato.

Alguém pode afirmar que o destino do dinheiro seria o próprio Fabrício, que não apresentou desde então nenhuma evolução patrimonial aparente, mantendo o mesmo padrão de vida. O ex-assessor de Flávio Bolsonaro mora em casa modesta, localizada em uma viela do bairro da Taquara, em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Resumindo, o enredo promete muitas confusões pela frente.