Tentativa de trazer Battisti ao Brasil revela despreparo jurídico e afobação do governo Bolsonaro

O Brasil vive nos dias atuais o mesmo que nos primeiros meses do governo Lula, quando o petista sequer podia ser alvo de críticas, pois seus seguidores se rebelavam de forma imediata, colérica e truculenta, a exemplo do que acontece com os defensores do presidente Jair Bolsonaro.

Protagonista de episódios toscos e controversos nos primeiros dez dias de governo, o que comprova a sua declarada incompetência, Bolsonaro, que chegou ao Palácio do Planalto a reboque de promessas radicais, dentre elas a de liquidar a esquerda e a de sepultar a invencionice chamada “marxismo cultural”, já busca feitos para acalmar a opinião pública.

Horas depois de autoridades bolivianas prenderem Cesare Battisti em Santa Cruz de la Sierra, Bolsonaro reuniu-se com alguns ministros, em Brasília, para tratar da extradição do terrorista italiano. O que mostra que o governo do capitão reformado não apenas é adepto da fanfarronice a qualquer preço, mas é desprovido de pessoas com conhecimento jurídico.

Não caberia ao governo brasileiro querer extraditar Battisti, uma vez que ele foi preso na Bolívia. De igual modo não caberia a Jair Bolsonaro querer trazê-lo ao Brasil como troféu, pois essa prerrogativa era do governo italiano, como se confirmou horas depois da prisão.

O anúncio feito pelo ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência (GSI), Augusto Heleno, no domingo (13), de que Battisti viria ao Brasil antes de ser extraditado à Itália foi mera precipitação de um governo que precisa de factoides para encobrir os recentes fiascos.

Cesare Battisti foi preso na Bolívia, portanto, no âmbito jurídico, teria de ser entregue a autoridades da Itália, que reclamam sua extradição há décadas por conta de condenação à prisão perpétua em razão de crimes cometidos na década de 70, quando o terrorista integrava o grupo Proletários Armados para o Comunismo (PAC).


Diante do fracasso do plano do Palácio do Planalto, Bolsonaro, que tentou chamar para si a paternidade da prisão e da consequente extradição de Battisti, foi obrigado a acionar seus assessores para explicar que o objetivo era facilitar o embarque do terrorista para a Itália. Como se o governo italiano não tivesse condições de fazer um voo direto entre Santa Cruz de la Sierra e Roma.

No vácuo desse fiasco surgiu a desculpa de que Cesare Battisti não mais viria ao Brasil por causa do risco de o Supremo Tribunal Federal (STF) conceder um habeas corpus ao terrorista. Mais uma invencionice de ocasião para salvar a reputação de Bolsonaro, que continua tropeçando no populismo barato.

Os advogados do terrorista, na expectativa de que isso pudesse acontecer, protocolaram pedido no STF, mas qualquer estreante no Direito sabe que a possibilidade de concessão de habeas corpus nesse caso era nula. A razão é simples e baseada na lógica: Battisti foi preso na Bolívia, não cabendo ao STF decidir sobre o tema. Além disso, a decisão de extraditá-lo é matéria vencida na Corte e objeto de decreto assinado pelo ex-presidente Michel Temer.

Dizer que Temer só assinou o decreto de extradição no apagar das luzes do seu governo, não tendo feito isso antes por má vontade, é ignorância jurídica em último grau. O ex-presidente respeito o que manda a Constituição no que se refere à independência dos Poderes. Havia um recurso de Cesare Battisti em tramitação no STF, por isso o decreto de extradição não poderia ter sido assinado antes. Só foi possível assiná-lo após a decisão do ministro Luiz Fux.

Sobre o retorno de Cesare Battisti à Itália, isso só foi possível porque o governo boliviano, que preferiu não criar problemas, optou pela expulsão sumária do terrorista, que ingressou no país de forma ilegal. Mesmo assim, o governo boliviano poderia conceder asilo provisório a Battisti, obrigado o governo da Itália a ingressar com novo pedido de extradição.

Querer enxergar no retorno de Battisti à Itália uma vitória de Bolsonaro é delírio ideológico. Aliás, a Polícia Federal admitiu internamente que fracassou na tentativa de prender o terrorista logo após a decisão do STF. O máximo que se pode afirmar é que a Polícia Federal, que continua merecendo o respeito da população, teve participação importante, através do setor de inteligência, na prisão de Battisti na Bolívia. Porém, é importante ressaltar que o serviço de inteligência da PF não é invenção dos últimos dez dias.