Decreto que flexibiliza posse de armas contrariou Moro e acima de tudo dados do “Atlas da Violência”

Se a terça-feira (15) foi atribulada para Sérgio Moro, com certeza a madrugada desta quarta-feira foi longa para o ministro da Justiça e Segurança Pública. Afinal, o ex-juiz pode ter enfrentado dificuldades para dormir enquanto se questionava sobre a decisão de trocar 23 anos de magistratura pela aventura de um cargo no Executivo federal, tendo como “patrão” um populista desenfreado como Jair Bolsonaro.

Antes de aceitar o convite para assumir a pasta, Moro acertou com o atual presidente da República que, assim como Paulo Guedes definiria as questões econômicas, ele [Moro] balizaria os assuntos legais do governo. Apesar do combinado, não foi isso que ocorreu no âmbito do decreto que flexibiliza a posse de armas de fogo, que já é considerado a primeira derrota política do ex-juiz da Operação Lava-Jato.

Chateado, Sérgio Moro não deu qualquer declaração durante a esvaziada cerimônia no Palácio do Planalto, na terça-feira, mas nos bastidores algumas pessoas próximas ao ministro dizem que não é preciso comentar sobre tema, bastando apenas comparar o projeto enviado pela pasta e o texto final do decreto.

No projeto que enviou ao Planalto, Moro limitou posse para no máximo duas armas, não quatro; manteve em cinco anos o prazo dos registros já concedidos, sem renovação automática; e exigia a comprovação de cofre para artefatos, não uma simples declaração do requerente da posse.

Por outro lado, comprovando o desencanto de Moro, o decreto assinado por Bolsonaro apresenta sete pontos diferentes em relação ao projeto enviado pelo ministro da Justiça. No projeto da lavra do ex-juiz estava prevista a recusa do pedido de registro com base em “fundadas suspeitas” de informações falsas ou de ligação com grupos criminosos. No texto do decreto, o pedido de posse só é negado em caso de comprovação desses pontos.

Quando estava em campanha, Jair Bolsonaro valeu-se da notoriedade de alguns possíveis ministros e assessores para dar corpo a uma candidatura calcada no discurso fácil e nos tropeços pretéritos dos adversários e dos inimigos ideológicos. Ou seja, Bolsonaro, um incompetente confesso e conhecido, usou essas pessoas convencer o eleitorado de que sua candidatura era a única capaz de salvar o Brasil. Por enquanto, ao contrário do que afirmam os abduzidos, a estreia está marcada por tropeços seguidos.


A grande questão no escopo do mencionado decreto é que a argumentação utilizada pelo governo para flexibilizar a posse de arma aponta na direção contrária, ou seja, mostra que armas de fogo são responsáveis pelo aumento da violência. A referência utilizada pelo governo para embasar o decreto é o índice de violência medido pelo Atlas da Violência 2018, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

O FBSP, contudo, lamentou o texto publicado em edição especial do Diário Oficial da União (DOU), na terça-feira (15), e já em vigor. “Trata-se de uma aposta na violência, uma vez que existem evidências bastantes robustas dentro do debate sobre segurança pública que, quanto mais armas, mais crimes”, afirma a entidade, em nota.

O Fórum também vê “burla” ao Estatuto do Desarmamento. “Um decreto nunca poderia ser superior a uma lei. E a lei estipula que é necessário haver um critério.”

Além de mapear índice de homicídios em todo o País, o “Atlas da Violência” revela que 71,1% dos homicídios em 2016 foram praticados com armas de fogo. Entre suas conclusões, o relatório destaca que a permissividade com armas de fogo, mesmo que ilegal, “apenas jogou mais lenha na fogueira da violência letal”.

Há no “Atlas da Violência” um dado que faz contraponto à gazeta palaciana, vociferada exclusivamente porque Bolsonaro tem promessas de campanha a cumprir. O relatório ressalta que desde a década de 80 o crescimento dos homicídios está diretamente relacionado a mortes por armas, enquanto os assassinatos por outros meios permaneceram constantes desde o começo da década de 90.

Considerando que decreto não modifica lei, apenas pode regulamentá-la com direito a pequenas flexibilizações, como vem alertando há muito o UCHO.INFO e agora destaca o “Fórum Brasileiro de Segurança Pública “, o que Bolsonaro entregou aos eleitores foi mais do mesmo, com algumas poucas e perigosas benesses. Em suma, no afã de criar um factoide para distrair a opinião pública, o presidente abusou da pirotecnia para um espetáculo que já existia. Resta saber o resultado, que tem tudo para ser assustador.