São Paulo: retrato de um gigante

(*) Ucho Haddad

De Piratininga ao amanhã, São Paulo vai desafiando o óbvio. Refúgio concreto de abstratas ilusões, São Paulo, que encanta velhos e crianças, é provedora de aconchego, e da saudade, geradora. Dona de uma magia que entorpece, a cidade nasce a cada minuto. A cada passo, a cada suspiro. Renasce na lágrima, comunga no riso. Inexplicavelmente, faz do seu cinza o arco-íris do futuro. Tinge a esperança e pinta a razão.

São Paulo da garoa. São Paulo das enchentes. São Paulo de tanta gente. São Paulo de uma gente só. São Paulo da Freguesia do Ó. Do Jaçanã, para onde parte o trem das onze. Sinônimo de trabalho, a cidade para no trânsito, emergindo como um protesto que rasga a passeata. Imóvel, repousa inquieta.

Terra de toda gente. Carioca e português, gaúcho e gaulês. Na diversidade da fé, a convergência chega ao ponto de partida. Catedral da Sé. Basílica de lutas e mudanças. De promessas e orações. De bênçãos e pecados. De tudo e de todos. De cristão e judeu, crente e ateu.

Se da Sé o gigantismo se expande, na Ipiranga com a São João a alma explode como a conquista da vitória. São Paulo cresceu, se transfigurou. Da Independência à elegância discreta de suas meninas, tudo mudou.

Muitas vezes madrasta, São Paulo tem seus encantos maternos. No gigantismo de seu coração protetor, faz do cotidiano um coquetel do impossível. Capaz de juntar americano e muçulmano, palmeirense e corintiano.

Catapultas de gente, ônibus e metrô unem os opostos. Aproximam o grã-fino do pagode, o proletário de quem pode. Barraco de mansão, favelado de gente nobre. São Paulo do Brás nordestino e do shopping empoado. Do italiano Bixiga e do Aricanduva alagado. Mas todos sonham com a Liberdade, mesmo que dos “japoneses” seja exclusividade.

Cidade que roda, que rola. Que rola e não embola, parada na bola e no grito de gol. Na inquietude colorida, a cidade se manifesta. Alviverde Pompéia do saudoso Palestra. Tricolor Morumbi onde eclode a razão. Tatuapé alvinegro que ecoa a paixão.

Cidade que amanhece e anoitece, desperta e enlouquece. Berço da madrugada, São Paulo é a mais pura alquimia no cardápio do inusitado. Combina sushi com lasanha, mortadela e picanha. Cachorro quente com quibe, pão de queijo com bacalhau. Mas é na feira, comendo pastel, que o paulistano se despe da vida matreira. Suspira e olha pro céu, ressuscita para o caldo de cana.

Na sua exatidão aritmética, São Paulo contraria a lógica. Soma na subtração e multiplica na divisão. Raiz quadrada do impossível, ressurge na progressão geométrica da certeza. Ilógica tradução do possível. Terra de ninguém, abrigo de todos. Receita de amor e ódio, São Paulo instiga o sentimento dúbio. Difícil de encarar, impossível de largar.

Quem chega quer partir. Quem parte quer voltar. Voltar para esta terra santa que mistura camelô e butique, gente brega com chique. Onde o falso vive com o original, assistindo a vida passar no luxo e no quintal. Passarela da beleza, desfile de pobreza. Cidade de arranha-céus e favelas, terra de vilas e de filas. Universo da fumaça, casto cenário da natureza.

Mais do que um vício, a Pauliceia Desvairada é um pujante estado de paixão. Cantada como o avesso do avesso, São Paulo é o retrato da cumplicidade. Reflexo da realidade. São Paulo é, sim, uma afinada canção. Afinal, alguma coisa acontece no meu coração.

Sampa, 465!

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.