Radiografia da Agência Nacional de Mineração explica tragédia de Brumadinho e desmente a Vale

Como citamos em matéria anterior, a preguiça política do brasileiro é responsável por inúmeras tragédias que devastam o País, como as de Brumadinho e Mariana, em Minas Gerais. Mesmo assim, a população ergue-se na esteira da indignação, quando na verdade esse movimento deveria ter ocorrido muito antes do estrago consumado.

Entre o que vem sendo falado por autoridades e representantes da mineradora Vale – responsável pela barragem que, após romper, devastou parte de Brumadinho e ceifou dezenas de vidas – e a realidade dos fatos há uma abissal e lamacenta diferença.

Não é de hoje que o UCHO.INFO alerta o governo federal para os desmandos no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), órgão extinto e substituído pela Agência Nacional de Mineração (ANM), mas que conservou o compadrio de sempre.

A criação da ANM foi uma irresponsabilidade do governo do então presidente Michel Temer, uma vez que o DNPM, que tinha as mesmas atribuições, deixava de executar suas funções a contento por causa do não repasse de recursos condizentes com o valor a que tinha direito. O que explica as inúmeras e seguidas falhas na fiscalização por parte do DNPM nas empresas mineradoras.

Apenas para contrapor o bom-mocismo que agora brota da direção da Vale, já referendado pelo advogado da mineradora, é importante analisar de forma minuciosa a composição da Agência Nacional de Mineração para compreender a tragédia de Brumadinho e outras tantas que estão na fila e podem acontecer a qualquer momento.

O diretor-geral da ANM é Victor Hugo Froner Bicca, indicado ao posto pelo ex-ministro Eliseu Padilha (Casa Civil) e pelos deputados Leonardo Quintão (MDB-MG) e Mauro Lopes (MDB-MG). Vale ressaltar que Quintão pleiteou o caro de ministro de Minas e Energia no governo Bolsonaro, mas acabou preterido pelo atual presidente da República. Apesar disso, arrumou uma “boquinha” no Palácio do Planalto.

Bicca, como já noticiado por este portal, foi tomado por extrema preocupação quando um dos seus subordinados, Marco Antonio Valadares Moreira, à época diretor do departamento de Procedimentos Arrecadatórios do DNPM, foi preso pela Polícia Federal na Operação Timóteo, em 16 de dezembro de 2016. Juntamente com Marco Antonio foi presa sua esposa, sócia de uma das empresas de consultoria que estão entre os alvos da operação. De acordo com a investigação, o grupo fraudava valores de royalties de mineração devidos por mineradoras a municípios.

A Operação Timóteo foi iniciada em 2015, após a Controladoria-Geral da União (CGU) enviar à PF uma sindicância que apontava incompatibilidade na evolução patrimonial de um diretor do DNPM, que pode ter recebido valores que ultrapassam R$ 7 milhões.


Também integra o corpo diretivo da ANM a geóloga Débora Tocci Puccini, indicada pelo então ministro Moreira Franco (MDB-RJ). A indicação de Débora foi suspensa pela Comissão de Infraestrutura do Senado, em 31 de outubro de 2018, pelo fato de a indicada estar impedida, por decisão da Justiça Federal, de exercer qualquer função pública desde 2017.

Débora Puccini responde por crime contra a administração ambiental e foi enquadrada no artigo 69-A da Lei nº 9.605, de 1998, que trata de “elaborar ou apresentar, no licenciamento, concessão florestal ou qualquer outro procedimento administrativo, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão”.

Mesmo assim, o Senado aprovou a indicação de Débora Puccini, o que viola de forma flagrante a legislação vigente. A pressa em aprovar o nome de Débora encontra explicação no fato de que o governo Temer tinha interesse em ver criada a ANM.

Tomás Antônio Albuquerque de Paula Pessoa Filho é outro diretor da ANM, foi indicado pelo ainda senador Eunício Oliveira (MDB-CE), como moeda de troca para votar o projeto de criação da ANM e também para submeter a consulta pública o Projeto de Lei do Senado n° 272 (2016), que contempla a privatização do Aquífero Guarani, de autoria do senador Lasier Martins (PSD-RS). Quem revirar o projeto em questão perceberá que o escândalo é muito maior do que parece, envolvendo figuras notórias da República e muitos prepostos, além de multinacionais.

Tasso Mendonça Júnior, também diretor da Agência Nacional de Mineração, foi indicado por Marconi Perillo (PSDB), ex-governador de Goiás, com direito às bênçãos do empresário (sic) da jogatina Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira, cujo currículo dispensa maiores apresentações.

Eduardo Araújo de Souza Leão, também integrante da direção da ANM, foi indicado pelo ex-senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), em troca da relatoria da Medida Provisória 790 (2017), que tratava da alteração do Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967 (Código de Mineração), e da Lei nº 6.567, de 24 de setembro de 1978, que dispõe sobre regime especial para exploração e aproveitamento das substâncias minerais. Souza Leão foi gerente de Meio Ambiente da Vale. A MP 790 caducou após manobra palaciana, sendo que o governo tratou do assunto por outras vias.

Procurador-chefe da Agência Nacional de Mineração, Frederico Munia Machado foi estagiário da Vale e sempre atuou no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).

Ao UCHO.INFO não cabe suspeitar da idoneidade dos acima mencionados, mas é inaceitável que uma agência reguladora tenha como diretores pessoas vinculadas, direta ou indiretamente, a empresas que devem ser fiscalizadas pelo órgão. Nesse caso é preciso ressuscitar o provérbio que tem origem no Império Romano e trata da honestidade da segunda esposa do imperador Júlio César, que ao se divorciar declarou que a Pompeia Sula não bastava ser honesta, mas parecer honesta.