Bolsonaro mandou fechar o espaço aéreo na posse, mas não conhecia o vizinho “matador de aluguel”

O caso de Marielle Santos, que ganhou novos contornos com a prisão de Ronnie Lessa e Élcio Vieira de Godoy, na terça-feira (12), acusados do assassinato da ex-vereadora do PSOL, parece incomodar a família Bolsonaro, que insiste em afirmar que nada tem a ver com o crime.

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) disse considerar “absurdo e repugnante” associar o crime à sua família. A fala do parlamentar teve como pano de fundo o fato de seu irmão, Jair Renan, ter namorado com a filha de Lessa, que mora no mesmo condomínio que o presidente da República, na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.

Em nenhum momento houve associação da família Bolsonaro com o crime em questão, mas é preciso reconhecer que o clã presidencial dá motivos de sobra para que conjecturas sejam feitas com as mais distintas combinações. Basta analisar com um pouco de calma o escândalo que tem na proa o ex-assessor Fabrício Queiroz. Em poucas horas chega-se à conclusão que as coincidências são muitas e que a preocupação da família causa estranheza. O que não representa confissão de culpa.

O alvoroço instalou-se na família Bolsonaro quando o delegado Giniton Lages, responsável pelo caso Marielle, ao responder a um repórter sobre eventual namoro do filho menor do presidente com a filha de Lessa, disse: “Isso tem, mas isso, para nós, hoje, não importou na motivação delitiva. Isso vai ser enfrentado num momento oportuno. Não é importante para esse momento”.

Quem conhece os mais básicos conceitos de investigação sabe que para elucidar um caso é preciso raciocínio lógico e cartesiano, além de atenção redobrada para que nenhum detalhe escape do radar. Muitas vezes, a solução de um crime complexo está nos pequenos detalhes. E o investigador que não agir dessa maneira pode colocar tudo a perder.

Em encontro com jornalistas nesta quarta-feira (13), no Palácio do Planalto, Bolsonaro abordou o caso da prisão dos supostos assassinos de Marielle Franco, em especial do suspeito que é seu vizinho. “Não lembro desse cara. Meu condomínio tem 150 casas”, disse o presidente aos jornalistas.

Diferentemente do que afirmam os descontrolados devotos de Jair Bolsonaro, ser vizinho de um criminoso não é problema nem representa confissão de culpa, até porque ninguém pode ser responsabilizado pelos atos de terceiros.


Contudo, Bolsonaro, na condição de presidente da República, deveria ter mais atenção com o que diz e principalmente com as decisões que toma. Que o capitão é adepto do improviso em função de seu devastador despreparo todos sabem, mas ser refém da dualidade discursiva coloca em xeque muitas de suas declarações.

Por ocasião da posse na Presidência da República, em 1º de janeiro, Bolsonaro determinou o fechamento do espaço aéreo de Brasília e adotou outras tantas medidas rígidas sob o argumento de que poderia sofrer um atentado. Até mesmo os jornalistas escalados para cobrir a cerimônia foram submetidos a tratamento degradante, apenas porque era preciso evitar a todo custo um iminente ataque.

Na verdade, tudo não passou de um enredo fantasioso embalado pela teoria da conspiração, pois Jair Bolsonaro desfilou na Esplanada dos Ministérios em carro aberto, contrariando recomendação da segurança. Mesmo assim, o presidente continua a usar colete a prova de bala e está sempre cercado por um séquito de seguranças fortemente armados.

Ora, se a segurança presidencial é algo que causa preocupação aos assessores palacianos, em especial ao serviço de inteligência do governo, alguém está cometendo um erro crasso no âmbito da proteção a Bolsonaro.

Jair Bolsonaro diz que não conhece Ronnie Lessa, o que pode ser verdade, mesmo que morem na mesma rua e a 50 metros de distância um do outro. Da varanda da casa de Lessa é possível contemplar de maneira privilegiada a janela do quarto da filha de Bolsonaro, Laura. O que representa um considerável perigo, se considerarmos que em Brasília os seguranças da garota circulam entre os alunos nos corredores do colégio em que ela estuda.

A questão não é relacionar a família Bolsonaro com o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, mesmo que os muitos motivos oferecidos pelo clã sejam uma tentação constante, mas é um atentado ao bom senso a segurança do presidente da República não se preocupar com um matador de aluguel que comprou pela internet 117 fuzis e mora a poucos metros de distância.

Resumindo, ou os possíveis atentados de que Bolsonaro poderia ser alvo foram obra de ficção ou a segurança presidencial é um fiasco. Talvez seja necessário abrir uma nova frente de investigação no escopo do caso Marielle. Em outras palavras, ou alguém mentiu ou alguém falhou.