Debate na ONU, em Genebra, tem bate-boca acalorado entre Jean Wyllys e chefe da delegação brasileira

Que Jair Bolsonaro acostumou-se a não honrar as próprias palavras todos sabem, mas na condição de chefe de Estado deveria reavaliar essa postura, pois o cargo exige muito mais do que fanfarronice recorrente.

Bolsonaro, que prometeu governar desprovido de qualquer viés ideológico, sequer sabe que não há política sem ideologia, pois ideologia é o padrão que cada um tem de pensar, sendo útil como ferramenta de garantia da democracia porque viabiliza apoio ou crítica às políticas públicas de modo geral.

Quando o presidente da República afirmou que governaria ao largo das ideologias, sua intenção era dizer que a partir do momento em que se instalasse no Palácio do Planalto só haveria espaço para a sua ideologia, sempre tosca e retrógrada, como ficou provado nesta sexta-feira (15), em Genebra, durante debate na sede europeia da Organização das Nações Unidas (ONU)

Um painel sobre autoritarismo e direitos humanos terminou em acalorado bate-boca entre a chefe da delegação brasileira junto à ONU, embaixadora Maria Nazareth Farani Azevêdo, e o ex-deputado federal Jean Wyllys, que participava do debate.

Um vídeo gravado no local do evento mostra a embaixadora brasileira, que estava na plateia, levantando-se para deixar o recinto após fazer pergunta a Wyllys, que renunciou ao terceiro mandato parlamentar e saiu do Brasil em razão de ameaças de morte.

Diante da atitude da diplomata, o mediador do debate pergunta: “A senhora não quer ouvir a resposta dele?”. Ao que Farani Azevêdo responde: “Desde que eu possa fazer uma tréplica”. E o mediador rebate: “Desculpe, não é assim que as coisas funcionam”.


Em seguida, Jean Wyllys intervém: “Por favor, embaixadora, ouça a minha resposta. Se a senhora gosta de debate, deveria ouvir a minha resposta”.

Wyllys continua: “O fato de a senhora ter saído do seu lugar e vir com um discurso pronto para essa sala é um sintoma mesmo de que a minha presença aqui amedronta a senhora e o seu governo, que não tem compromisso com a democracia, sobretudo em um momento em que a imprensa revela relações entre organizações criminosas, os assassinos de Marielle Franco e a família do presidente da República, que ocupa o Palácio do Planalto”.

Nesse momento, já de pé, a embaixadora responde: “A sua presença aqui envergonha o Brasil”.

Jean Wyllys não se intimida e rebate a arrogância da representante de um governo que finge ser democrático: “Agora é a minha vez de falar, embaixadora. Por favor, respeite a democracia”. E repete: “Por favor, respeite a democracia, embaixadora”.

“É importante que cada pessoa sempre cuspa na cara de quem faz elogio à tortura. A tortura é um crime de lesa-humanidade. Nós não deveríamos tolerá-la em hipótese alguma, sobretudo envolvendo os que se autoproclamam democráticos. Muito obrigado, bradou o ex-parlamentar.

Há muito que a política externa brasileira deixa a desejar, mas a diplomacia no governo Bolsonaro tem dado mostras que a situação deve piorar sobremaneira, especialmente porque o discurso de ódio que continua sendo fermentado pelo presidente da República já ultrapassou as fronteiras do Brasil.

Se Jair Bolsonaro não consegue calar seus opositores dentro do próprio País, não será uma diplomata deselegante e autoritária a lograr êxito em terras estrangeiras. Ou a parcela pensante da sociedade reage a essa tentativa de engessamento do pensamento, ou em breve o Brasil estará dominado por extremistas de direita.