Não me convide para palestra na esperança de que falarei sobre “Alice no País das Maravilhas – O Retorno”

(*) Ucho Haddad

Às vezes penso que o Brasil é uma incansável usina de Aladins, tamanha é a quantidade de especialistas nisso e naquilo. Há 200 milhões e mais um pouco de especialistas em tudo, principalmente quando o assunto é política e futebol. Cada um tem a melhor e mais correta análise, mas ninguém sabe ao certo o que diz ou escreve.

Como disse o genial Umberto Eco, “o drama da Internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”. E com o advento das chamadas redes sociais, cada vez mais antissociais, a avalanche de idiotas portadores da verdade só faz crescer.

Não é de hoje que ouço os mantras “o Brasil é o país do futuro” e “Deus é brasileiro”. Esse futuro ainda não deu as caras e jamais pedi a Deus sua carteira de identidade para checar o local de nascimento. Fato é que do jeito como as coisas estão não sairemos do lugar. E a essa altura dos acontecimentos, Deus já está bem longe dessa barafunda.

No rastro dos escândalos de corrupção protagonizados por políticos que hoje estão atrás das grades ou engalfinham-se com a Justiça, muitos profissionais de comunicação passaram a ministrar palestras e, ato contínuo, a encher a arca. Eram contratados a peso de ouro por empresas que pretendiam passar a seus funcionários mensagens de esperança diante de um Brasil consumido por turbilhões de notícias negativas e enxurradas de escândalos.

Até hoje questiono-me se essa estratégia realmente produziu algum resultado, a não ser aos que aceitaram modular o discurso de acordo com os interesses dos contratantes. Em outras palavras, os palestrantes cobraram um bom punhado de dinheiro para dourar a pílula, mesmo sabendo que o dourado sairia em pouco tempo. É justo isso? Certamente não!

Como sempre afirmo e não canso de repetir, prefiro a dureza da verdade à decepção da mentira. Ao aceitar distorcer a verdade apenas para contemplar o desejo do contratante, não sem antes encher o próprio bolso, o palestrante está protagonizando um haraquiri, mesmo que com data marcada. Afinal, quando a realidade dos fatos vier à tona e derrubar o conteúdo da palestra ministrada, sua credibilidade terá ido pelos ares.

Alguém pode alegar que palestras motivacionais são necessárias para “não deixar a peteca cair”. Concordo, mas do jeito que muita gente fez, distorcendo a realidade, pode provocar a destruição das quadras onde muitos vinham jogando peteca. Talvez muitas dessas quadras já não existam. Acabar de vez com o jogo de peteca ou buscar melhor forma de jogar? Fico com a segunda opção, mesmo que isso exija muito treino.

No Brasil de hoje – diria que dos últimos tempos –, o ritmo que domina a cena é o do justiçamento e da revanche. Tudo a qualquer preço, não importa como, desde que os declarados inimigos da pátria sejam dizimados. Tudo muito bem, cada um define seus alvos. Talvez esse sentimento de vingança que vem aflorando há algum tempo seja assunto para um bom e confortável divã, não para batalha campal nas redes sociais, com direito a prorrogações no ambiente de trabalho e nos encontros de família.

Cá fico a pensar sobre os efeitos colaterais desse pensamento nas empresas. Como um pensamento colérico, marcado pelo ódio e pela intolerância, pode funcionar no universo corporativo? Que ninguém venha com o discurso pronto de que é preciso saber separar, pois não há como isso acontecer, nem com intervenção divina ou reza brava. Quem está tomado por esse sentimento de vingança dorme e acorda assim. E pauta o próprio cotidiano à sombra dessa vibração negativa e rancorosa.

Muita gente badalada dos meios de comunicação que vendeu ilusão em palestras recentes agora se vê obrigada a analisar a dura realidade do dia a dia nacional como ela é. Sem choro nem vela, nem direito a dourar a pílula. Porque contra fatos não há argumentos, muito menos palestra encomendada. E a realidade política brasileira precisa ser encarada como é, sem rapapés, sem devaneios. Não tem “na outra linha, travessão”.

Passa atestado de inocência quem acredita que o palavrório rebuscado de um jornalista-palestrante com “anos de estrada” é suficiente para injetar ânimo nos funcionários de uma empresa que não pode deixar a peteca cair ou precisa virar o jogo. Isso pode funcionar? Sim, pode, mas por pouquíssimo tempo. A razão é simples e dual: palestrante não opera milagres e quem promove mudanças é o ser humano.

Quem deveria colocar água fria na fervura está a adicionar lenha na fogueira. Isso significa que enxergar o fim do túnel está cada vez mais difícil. Ou aceita-se a ideia de que é preciso começar de novo, ou nada feito. Querer manter alguém nas alturas sabendo que a escada de madeira está sendo devorada por cupins é covardia à enésima potência.

Quando afirmo que é preciso começar de novo significa, em linguagem de informática, voltar a uma configuração anterior. Algo como “era feliz e não sabia”. Sendo objetivo e pragmático: no Brasil polarizado e flamejante dos dias atuais, você que não gosta do político “A” sai de casa para comprar um produto no estabelecimento cujo dono é conhecido por tratar aos pontapés pessoas com o seu perfil? Certamente não! No contraponto, o dono do tal estabelecimento dispensará tratamento cordial se souber que você não torce pelo político que ele idolatra? Certamente não!

Você que está a ler este artigo pode afirmar que é exagero da minha parte, mas conheço os dois pontos dessa realidade: pessoas que deixaram de comprar e outras que não fizeram questão de vender pelos motivos que explanei acima. Mesmo assim, hão quem garanta que o Brasil tem tudo para dar certo. Como, se a intolerância é a mola propulsora da discórdia, que por sua vez compromete o convívio social e resvala na economia? Não demorará muito e daremos o abraço dos afogados.

Vivemos numa democracia e cada um pensa como quiser. Ainda bem! Pelo menos era assim até outro dia. Ou repensa-se o Brasil respeitando as opiniões divergentes e dispensando tratamento isonômico a qualquer cidadão, ou é melhor jogar a toalha. Eu fico com a primeira opção, sempre!

E se me chamar para uma palestra, esteja certo de que essa é a realidade que abordarei, a verdade que contarei. Até porque, não estou disposto a escrever “Alice no País das Maravilhas – O Retorno”.

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.

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