Censura: Alexandre de Moraes manda “Crusoé” e “O Antagonista” excluírem reportagem que cita Toffoli

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão que remete à censura, determinou à revista ‘Crusoé’ e ao site ‘O Antagonista’ a imediata retirada do ar da reportagem ‘Amigo do amigo de meu pai’, que cita o presidente da Corte, Dias Toffoli. Ambas as publicações repudiaram a decisão e denunciaram o caso como censura. Alexandre de Moraes, em sua decisão, estabeleceu multa diária de R$ 100 mil em caso de descumprimento.

“Determino que o site O Antagonista e a revista Crusoé retirem, imediatamente, dos respectivos ambientes virtuais a matéria intitulada ‘O amigo do amigo de meu pai’ e todas as postagens subsequentes que tratem sobre o assunto, sob pena de multa diária de R$ 100 mil, cujo prazo será contado a partir da intimação dos responsáveis. A Polícia Federal deverá intimar os responsáveis pelo site O Antagonista e pela Revista Crusoé para que prestem depoimentos no prazo de 72 horas”, ordenou.

Na decisão, o ministro cita o inquérito aberto por Dias Toffoli, em março, e ressalta que a ‘existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares, extrapolando a liberdade de expressão’.

O site “O Antagonista” informou que a reportagem tem como base documento que consta dos autos da Operação Lava-Jato. O empresário Marcelo Odebrecht encaminhou à Polícia Federal explicações sobre codinomes citados em e-mails apreendidos em seu computador em que afirma que o apelido ‘amigo do amigo do meu pai’ refere-se ao ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo.

A explicação do empreiteiro refere-se a e-mail de 13 de julho de 2007, quando Toffoli ocupava o cargo de Advogado-Geral da União (AGU) no governo do então presidente Lula. As informações enviadas por Marcelo Odebrecht foram solicitadas pela PF e fazem parte do acordo de colaboração premiada firmado com a Procuradoria-Geral da República. O empresário está desde dezembro de 2017 em prisão domiciliar, após permanecer quase dois anos preso na Superintendência da PF em Curitiba.

“Há claro abuso no conteúdo da matéria veiculada, ontem, 12 de abril de 2019, pelo site O Antagonista e Revista Crusoé, intitulada ‘O amigo do amigo de meu pai’”, afirmou o ministro.

“A plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo) não significa a impossibilidade posterior de análise e responsabilização por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.”


Na decisão, o ministro Alexandre de Moraes citou uma nota da procuradora-geral da República, Raquel Dodge. “Ao contrário do que afirma o site O Antagonista, a Procuradoria-Geral da República (PGR) não recebeu nem da força tarefa Lava Jato no Paraná e nem do delegado que preside o inquérito 1365/2015 qualquer informação que teria sido entregue pelo colaborador Marcelo Odebrecht em que ele afirma que a descrição “amigo do amigo de meu pai” refere-se ao presidente do Supremo Tribunal federal (STF), Dias Toffoli”.

Segundo o ministro, ‘em resposta à nota emitida pela Procuradoria-Geral da República, O Antagonista, ainda ontem, reiterou o conteúdo da sua primeira publicação – o que agrava ainda mais a situação, trazendo, ao caso, contornos antidemocráticos’.

“Obviamente, o esclarecimento feito pela Procuradoria-Geral da República tornam falsas as afirmações veiculadas na matéria “ O amigo do amigo de meu pai”, em típico exemplo de fake news – o que exige a intervenção do Poder Judiciário, pois, repita-se, a plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo) não constitui cláusula de isenção de eventual responsabilidade por publicações injuriosas e difamatórias, que, contudo, deverão ser analisadas sempre a posteriori, jamais como restrição prévia e genérica à liberdade de manifestação”, afirmou Alexandre.

Há um nos bastidores um movimento declarado para levar adiante a crise institucional que vem sendo contida de maneira discreta, mas sem sucesso. Os interesses são difusos e reúnem “atores” de várias frentes, mas de todo modo a democracia corre sérios riscos. A investida ganhou corpo depois que o STF decidiu que crimes de caixa 2 devem ser julgados pela Justiça Eleitoral, o que contrariou os integrantes da força-tarefa da Lava-Jato, em Curitiba. Desde então, a queda de braços entre procuradores e ministros do Supremo tornou-se intensa.

Sobre a decisão do ministro Alexandre de Moraes, não há dúvida que trata-se de censura, pois a Constituição garante em seu artigo 5º, inciso IV, que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vendado o anonimato”, ao mesmo tempo que a Carta estabelece no mesmo artigo, inciso XIV, que “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.

De tal modo, os responsáveis pela mencionada reportagem devem responder pelo conteúdo da mesma, caso não apresentem provas das acusações que fazem contra o ministro Dias Toffoli. Não se trata de defender o magistrado, mas de, à espera das necessárias provas, impedir que o País seja tomado por uma crise institucional perigosa e que coloca a democracia brasileira sob o manto da ameaça.

Se a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, nega a informação divulgada pelo site “O Antagonista” e pela revista “Crusoé”, algo errado há nas coxias desse imbróglio. Jornalismo faz-se com base em provas, não no vácuo do “ouvi dizer” ou impulsionado pelo sensacionalismo. Mesmo que as provas existam, é preciso cautela, já que não se pode transformar Marcelo Odebrecht em portador da verdade suprema.