Embate entre STF e PGR pode comprometer acordo de colaboração do delator Marcelo Odebrecht

Importado dos Estados Unidos, onde é conhecido como “plea bargain”, o instituto da delação premiada foi incorporado ao Direito Penal brasileiro com o objetivo de combater as organizações criminosas, mas a sanha punitiva das autoridades fez com que muitos dos acordos de colaboração passassem a ser questionados, sem que esses fossem anulados, o que deveria ter ocorrido.

A exemplo do que sempre acontece nessa barafunda que muitos insistem em chamar de país, a delação premiada não escapou ao chamado “jeitinho brasileiro”. Na esteira dessa aberração que tornou-se regra nacional, muitos depoimentos de criminosos, em especial no âmbito da Operação Lava-Jato, foram obtidos de maneira nada republicana ou em condições que atentam contra o bom senso jurídico.

Não é preciso doses extras de massa cinzenta para perceber que acordos de colaboração premiada no escopo da Lava-Jato tiveram tratamento diferenciado, de acordo com o que o delator tinha a oferecer. O que não poderia acontecer, pois a Constituição estabelece em seu artigo 5º (caput) que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Além disso, o colaborador não pode ser classificado pelo conteúdo da delação, mas, sim, pela disposição de delatar. Até porque, um detalhe pode levar à descoberta de novo escândalo.

Como se isso não bastasse, alguns depoimentos foram obtidos à base de intimidações. Não se trata de conjectura de nossa parte, mas de relatos de delatores e de advogados de incriminados na Lava-Jato, que se viram obrigados a revelar fatos que desconheciam ou sequer tinham provas.

No caso do empresário Marcelo Bahia Odebrecht, que agora voltou à cena no vácuo da polêmica envolvendo o ministro Dias Toffoli, do STF, o acordo de colaboração premiada contém regalias que não foram dadas a outros colaboradores. O herdeiro do grupo Odebrecht já pode requerer à Justiça a redução, pela metade, do seu tempo de prisão em regime domiciliar, que passou a cumprir desde que deixou a carceragem da Polícia Federal em Curitiba, onde permaneceu por trinta meses.


Esse privilégio (o de redução do tempo de prisão domiciliar) foi dado apenas a Marcelo Odebrecht, o que por si só é um absurdo, e deveria ser revisto pela Justiça, mas (infelizmente, nesse caso) o princípio de lealdade recíproca precisa ser respeitado.

O criminoso e dublê de delator, de acordo com o previsto no acordo com a Procuradoria-Geral da República, poderá ter o tempo de reclusão em sua nababesca residência reduzido de dois anos e seis meses para um ano e três meses, caso a Justiça concorde. Mesmo assim, Odebrecht poderá sair de casa durante o dia, permanecendo enclausurado (sic) à noite e nos finais de semana. Contudo, a crise institucional que tomou conta do País deve atrasar os planos do empresário. Isso porque seus advogados podem ingressar com o pedido de redução do tempo de prisão domiciliar após a queda de braços entre os Poderes.

Condenado inicialmente a 31 anos e seis meses de prisão por crimes de corrupção ativa, lavagem de dinheiro e associação criminosa, Marcelo Odebrecht migrou para o regime de prisão domiciliar à sombra de um acordo de colaboração que envolveu 76 pessoas ligadas ao grupo empresarial da família, além do pagamento de multa no valor de R$ 73,3 milhões. O acordo foi costurado por seu pai, o empresário Emílio Odebrecht, condenado pela primeira vez no âmbito da Lava-Jato em 6 de fevereiro passado.

Emílio foi condenado a três anos e três meses de reclusão, em regime semiaberto no caso do sítio de Atibaia, no qual o ex-presidente Lula foi condenado a 12 anos e onze meses de reclusão. Segundo acordo de colaboração firmado com a PGR, Emílio cumprirá a pena somente após permanecer dois anos à frente do processo de reestruturação do Grupo Odebrecht.

Confira abaixo como será cumprida a pena imposta a Marcelo Odebrecht, segundo acordo com a PGR:

– 2 anos e 6 meses em regime fechado (já cumpridos na Superintendência da PF em Curitiba);

– 2 anos e 6 meses em regime fechado diferenciado: permanece em casa em período integral e é monitorado por tornozeleira eletrônica;

– 2 anos e 6 meses em regime semiaberto diferenciado: autorização para sair de casa, devendo se recolher durante a noite e aos finais de semana e feriados. Deverá prestar 22 horas mensais de serviço comunitário;

– 2 anos e 6 meses em regime aberto diferenciado: autorização para sair, devendo passar os fins de semana e os feriados em casa.